quarta-feira, 21 de março de 2018

SONETO

Muro de folhas, capinzal, varanda
e um menino a chorar pelo seu trem
pousado na vitrine, exposto ao mundo
e ao assédio dos pobres sem vintém.
Noites de insônia, lágrimas, tormentos
e o trem calado e só, frágil brinquedo
mas tão real em sua postura de aço
que ali crescera tanto e dava medo.
Muitos natais passaram com suas luzes,
milhões de trens rolaram, transformados
no desejo impossível de obtê-los.
Vagão de mim, contudo, ora deslizo
sobre os trilhos do acaso. E ainda me bato
em vão, contra este périplo insensato.

segunda-feira, 19 de março de 2018

Voragem

Voragem


Rostos que nunca vi, jacintos murchos
cujas sonatas frias me tocaram,
estes rostos não quero: eles são breves
no desfile das pálpebras cerradas.
Penso naqueles outros, familiares
rostos de toda a vida. Cataventos
da rua ainda sem nome, alagadiço
porão da infância, arpejos e trigais,
dai-me a ver novamente ou mesmo em sonho,
estes semblantes nunca repetidos,
graves alguns, mas todos inseridos
na memória dos dias voluntários.
Cemitério, talvez, dessas lembranças,
todas, em mim, são rosas e crianças.

domingo, 11 de março de 2018

DO INFANTE AZUL

DO INFANTE AZUL

I

Necessito do rio e da paisagem
que me vira partir quando menino.
Da visão surpreendida ou desse quanto
pode haver em redor do meu destino.
Eram coisas e seres do meu tempo,
partes de mim que a vida, em seu balanço,
foi deixando passar, nuvem sujeita
aos ventos, matéria sujeita ao ranço.
Rubros sóis de verão, colheita breve
de azeitonas e ocasos, também contam.
Soldado entregue ao chumbo dos brinquedos,
ao som, talvez, das águas deste inverno,
quero sentir na pele evanescente
como eu seria agora, antigamente.

sábado, 10 de março de 2018

SONETO 3

SONETO 3

III

Muro de folhas, capinzal, varanda
e um menino a chorar pelo seu trem
pousado na vitrine, exposto ao mundo
e ao assédio dos pobres sem vintém.
Noites de insônia, lágrimas, tormentos
e o trem calado e só, frágil brinquedo
mas tão real em sua postura de aço
que ali crescera tanto e dava medo.
Muitos natais passaram com suas luzes,
milhões de trens rolaram, transformados
no desejo impossível de obtê-los.
Vagão de mim, contudo, ora deslizo
sobre os trilhos do acaso. E ainda me bato
em vão, contra este périplo insensato.

quinta-feira, 8 de março de 2018

O DÉCIMO SEGUNDO

O DÉCIMO SEGUNDO


O DÉCIMO SEGUNDO

Taças finas quebrei neste duelo.
Ocupo as mãos solícitas e paro
a cada girassol que em tempo raro
me faça ver-me um outro, paralelo.
Farfalha a rosa, se desprende o elo,
mas nada me contenta: o brinde claro
e as nódoas de meu dia onde preparo
um outro, o fazem grande, o fazem belo.
Não fui além de um reles assovio,
ecos doídos da quimera infância,
malvas de solidão pranteando o rio.
Taças finas quebrei na epifania.
Guardanapos, ardei na inconsistência,
palavras, vade em busca da poesia.