sexta-feira, 28 de setembro de 2012

AGENDA 1965



11/12/13/set.

Passei o domingo com Eliana, em Santo Antonio. À noite do dia 13 estive na Festa do Violão promovida pelo Clube da Madrugada. Após as 22:hs, cerveja ao som dos melhores violões que jamais tivemos a sorte de ouvir, artisticamente dedilhados pelo Mauro Barbosa e um Tenente do Exército chamado Dario. Quase amanhecemos no local.
* Carta do Antísthenes, informando-me ter sido nomeado Assessor de Relações Públicas na Representação do Amazonas.

16/set.

Não quero pensar no futuro porque ele se parece muito com o passado. Quem o disse? Acentua-se a desmemória de meu velho, mormente seu bom apetite e ótima saúde. A velha, na mesma. Vai ao centro quase todos os dias, fala demais. Minha cunhada corre o risco de perder a paciência, cometendo algum desatino.

17/set.

IPASE. Contrato de empréstimo simples para ser averbado na Delegacia Fiscal. A micharia é de 150.000, quase 22 mil de juros, elevando-se o débito a 170.400, pagável em folha dentro do prazo de 24 meses, a partir de outubro deste ano.- Minha falta ao serviço não foi abonada pelo meu colega Chefe da Carteira Mário Ferreira da Silva.- Com livros novos chegados de várias partes do Brasil e do mundo, pelo menos isso.

18/19/set.

Não sei como iniciar este registro. Os acontecimentos da madrugada de sábado parecem confusos, irreais. Murros, tiros e garrafadas numa casa de shows do ¨Clima Frio¨ de que resultaram feridos três elementos do povo. Já no Pronto Socorro, Waldik Soriano (pivot do incidente), em companhia do major Júlio Cordeiro e Cel. Correia Lima, decide apresentar queixa na polícia em virtude de uma das vítimas do tiroteio fazer parte de sua caravana musical. Ora, a polícia, representada na baderna pelo investigador Lobato, já estava esperando por essa oportunidade para um revide à sua maneira. Waldik foi preso e arrastado para as grades por mais de dez guardas noturnos, sendo libertado às 10 hs. da manhã seguinte, com a roupa toda rasgada.


sábado, 22 de setembro de 2012

AGENDA 1965

Lygia Clark. Escada


06/07/set

Fomos passar o dia em Santo Antonio. Pelas tantas surge uma discussão entre mim e um tipo que estava mordendo uns tragos de pinga no boteco de meu irmão. O cara sacou de um revólver, acionou o gatilho, mas bateu catolé. Com muito esforço, consegui desarmá-lo. Seguiu-se daí um corpo-a-corpo entre nós até às imediações da Delegacia Policial, à qual o desordeiro foi entregue. Eu nunca antes tinha sido aplaudido tanto por uma desordem pública.

08/set

Com a retirada dos flutuantes, o Igarapé da Bica está cada vez mais deserto. As velhas bóias de açacu, umas a flutuarem nos restos da enchente, outras enterradas no fundo descoberto pelas águas, testemunham a pressa com que os homens do Governo tentaram ¨exterminar esse câncer social engastado na baía do Rio Negro¨, cartão postal da ¨Cidade Risonha¨.

09/set.

Recebo das mãos do Daniel Maynarte um exemplar do D.O da União de 23-07-65, que publica os termos a que chegou o grupo de trabalho designado para reexaminar os processos de readaptações do MPPS. Entre os aprovados encontrei os nossos, do Amazonas. Já não há motivos para o desânimo; o papelório já esteve também com o Presidente da República, cuja assinatura fica sobrestada pela política econômica do Governo. A esperança, contudo, apoia-se agora em bases concretas.

10/set.

Um dia chato como deve ter sido o planeta que habitamos, na concepção dos torquemadas da época de Galileu. Fui ao IPASE em busca do tal empréstimo exepcional, mas tudo ficou adiado para quarta-feira da próxima semana. Sem respeitar a advertência do horóscopo, continuei meu roteiro, contratando um carro de praça para tentar a sorte junto ao Amâncio, da Sociedade Varejista de Cereais Ltda., na General Carneiro. Outro fracasso e ainda fiquei a dever metade da corrida. Não satisfeito com as derrotas fui ao Hiran, da Casa de Móveis, quando já anoitecia. Tudo em vão. Vencera a posição dos astros, apesar de todos os meus esforços no sentido de esmagar os obstáculos que me cercam.


terça-feira, 18 de setembro de 2012

AGENDA 1965



30/agosto

Quatro meses para o final do ano. Sérios atritos de minha mãe com minha cunhada Juth. Ela reclama pela casa da Joaquim Nabuco, despreza o anexo que meu irmão projetara, sua nova residência. Até aqui, portanto, tudo igual: metade de mim fica nesse bairro, a outra metade na rua Izabel. Não fomos trabalhar. A senhora que reside no térreo de nossa casa deu à luz uma criança do sexo feminino pesando a bagatela de três quilos. Parto demorado e sofrido. Nossa ajuda fora oportuna e o marido da parturiente demonstra sua gratidão. Maria Raquel é o nome da criança, filha do casal amigo Álvaro e Tereza de Oliveira.- Debate em forma de perguntas e respostas entre Décio Pignatari e a chamada ¨geração de 45¨anima o coreto literário do país.

02/set

O mundo é vasto, contraditório. Mas o importante é que os Eremitas da Itália poucos momentos dedicam à juventude transviada dos EE.UU, ou mesmo aos integrantes da Sociedade dos Apalpadores de Nádegas, em Paris. Podemos também afirmar que o mundo é uma fração apenas da crosta terrestre onde os nossos hábitos deitaram raízes juntamente com o hábito de viver.

03/set

Verão senegalesco, verão dos trópicos amazônicos. Cigarras, ao longe, festejam ao pé da mungubeira, traduzem as mutações do crepúsculo numa nostálgica tristeza de seus acordes evocativos.
* Passei o dia em casa. Minha mãe esteve conosco. Desentendera-se com a nora e pretende recuperar sua morada anterior no centro da cidade. Quando a vejo assim nesse estado, sinto um grande aperto no coração. ¨Histoire d´um crime¨, de Victor Hugo, no original. Antes eu lera o ¨La lis dans la vallé¨, de Balzac. Os termos ¨subversivo¨, ¨revolucionário¨, ¨esquerda¨,¨direita¨ já eram comuns naquele tempo, trinta anos após haver surgido o ¨Kapital¨, de K.M..

domingo, 16 de setembro de 2012

RECORDAÇÕES DE LUIZ BACELLAR


RECORDAÇÕES DE LUIZ BACELLAR


                                     Jorge Tufic


O encantamento lírico, o cenário
daqueles tempos, década cinquenta;
o Clube a germinar, e a noite lenta
desenham nosso corpo imaginário.


Conheci Bacellar neste berçário
das madrugadas, quando tudo esquenta
nos encontros da turma, ora sedenta
por mudanças no campo literário.


Egresso de um colégio paulistano,
visconde consagrado, assim tivera
descobertos seus dons, ano após ano,


Do barro tosco a frauta se ilumina.
Ascende o poeta aos graus da primavera.
Deixa-nos sós e à dor que tanto ensina.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

AGENDA 1965



12/agosto

Com a mudança, tenho ido todos os dias ao bairro de Santo Antonio. Lá estão agora meus pais, ele com 78 e ela com 59 anos de idade. Deitado no chão de cimento, começo a leitura da¨carta escrita no cárcere¨, de Francisco Julião. Mas deixo o último capítulo para ler em casa. Na verdade, trata-se de um documento histórico, além de representar uma segura bofetada na face daqueles que vacilaram em seu ideário socialista. Gostei, sobretudo, de um trecho do manifesto que o autor deixara antes de partir, em avião da FAB, com destino ao Recife.

14/15/agosto

A meu convite, Elson Farias passou a manhã em casa. Trouxe consigo o original de seu livro ¨Pequeno Romanceiro do Amazonas¨. Ambos notamos que a ¨Cidade Flutuante¨ está desaparecendo do panorama ribeirinho. A seguir, folheamos um exemplar da revista da editora Civilização Brasileira, sempre na vanguarda da resistência ao regime militar. E não pudemos deixar de admitir que, segundo Benedicto Nunes, o poeta de ¨Luta Corporal¨está em crise.

19/agosto

Tive um sonho com Chaplin. – Vai – parecia dizer-me – você precisa de uma boa viagem em redor de si mesmo, sem perder de vista as paisagens da terra. Em seguida eu me via na esquina de uma rua, a Pedro Botelho, e o tempo era aquele de quando morávamos na velha Estância do Sr. Jorge Baze, em 1945.- Banco Popular de Manaus, pagador dos barbanés. Que miséria de 85.000! Há cerca de um ano e meio eu percebia 200.000 e não dava pra nada.

21/22/agosto

Deus! Fica na mesma o drama vivido com D. Faride. Uma vida sem triunfo é a que levo, segurando como já não posso as rédeas do incontrolável. Ela volta a tomar ônibus, a ir ao Mercado onde alterca com os barraqueiros e pessoas desconhecidas, como se estas fossem responsáveis por algum malefício causado a seus filhos. Terminou levando uma queda brutal, quase ficando desfigurada. Nem posso imaginar como fico por dentro.
* O desânimo é espectral.

24/agosto

Manhã rotineira na Delegacia do Trabalho. Dou uma olhadela nas páginas de ¨A Crítica¨: o projeto de aumento de vencimentos dos militares tramita no Senado Federal. E o nosso? Pois nem se fala dele. Tarde passada em código marciano.
* Todos os dias, Santo Antonio. A escavação dos alicerces da casa que vamos construir, ocupa exatamente o espaço do terreno, sobrando para o Código de Posturas.
* Entrego ¨As formigas do General¨ ao Carlos Gomes. Banco da Lavoura: empréstimo. Mandei reproduzir a fotografia de Porto Alegre, uma lembrança da ¨Caravana¨ de 1951. O tempo é implacável

sábado, 8 de setembro de 2012

DUETO PARA SOPRO E CORDA

SONETO A RICARDO REIS

Não por teu verso fluido e transparente,
Nem pelos deuses a quem sombra calma
Deste, lembrando a suave permanência
Do que puro inda resta onde não somos.

Mas ao prazer deixado ali freqüente
Em ler-te, aberto o livro e aberta a alma,
Todo um orbe revelas na existência
De um sorriso que em mármore supomos.

Pelas horas de humano entendimento
Em que dos tempos idos a beleza
Converges para um tempo começado;

E de, sendo tão parcos, um momento
Crer-se que o bem maior, glória ou riqueza,
Nada fica além disto que há sonhado.


domingo, 2 de setembro de 2012

DUETO PARA SOPRO E CORDA

SONETO REVISTO

Do espelho à flor extinta que te ampara
- amanhecida paz, silente rosa –
saltam meus olhos neste ver de agora
por dentro do silêncio e da miragem.

A forma branca de que nasce o dia
pressente a noite com seus astros novos;
vésper acode, assume a claridade
sobre a face de sono que a ilumina.

Fulgor do que se move e se transmuda
ao vislumbre de um cósmico dilúvio,
és o princípio, o frêmito corpóreo.

Porque te abres apenas rubra messe,
frágil manhã que os pássaros celebram
- e só duras o instante de uma estrela.