terça-feira, 16 de outubro de 2018

Clube da Madrugada

Clube da Madrugada

Pe. Nonato Pinheiro
(Da Academia Amazonense de Letras)
Há mais de um decênio que o Clube da Madrugada vem se firmando como expressão de tenacidade e pujança no campo das artes e das letras, movimento de vitalidade e renovação, dirigido por uma plêiade de talentosos moços, que encaram o problema da cultura com dignificante espírito de seriedade.
Quando surgiu o movimento inspirado em manifestações similares noutras áreas literárias e artísticas do país, no espírito que animou a “Semana de Arte Moderna”, promovida em 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, com palestras, conferências, declamações e exibição de artes plásticas, já era eu acadêmico, e senti, no dealbar ou na floração daqueles primeiros impulsos renovadores, certa descrença da parte de alguns vultos de nossas letras planiciárias. Desde o início, entretanto, observei nos rapazes acentuada posição para levarem a coisa a sério. Liam, estudavam, trocavam ideias e comentavam os últimos lançamentos do país, no mundo livresco. Acompanhavam o momento artístico e literário, aqui e alhures, com vivo interesse. Não dispunham de uma sala, sequer, para seus encontros. Que importava? Qualquer porão ou nesga de jardim bastavam aos seus intercâmbios culturais. A praça de Heliodoro Balbi foi palco das primeiras tertúlias e continua a ser teatro dos encontros dos clubistas, aos lampejos do sol, se é dia; sob o pálio das estrelas quando é noite.
Crescia o movimento. Novos sócios vinham unir-se aos primeiros. Alguns transferiram-se para a metrópole tentacular, sonhando com melhores vantagens e posições. Outros permaneceram, mantendo crepitante a chama do ideal. Outros ainda retornaram, renovando-se no espírito primitivo que animou o Clube. Vieram os primeiros lançamentos. E ao editar-se a primeira seleta, a “pequena antologia madrugada”, já o movimento estava consolidado. Cada nova manifestação dos clubistas era uma explosão e afirmação de pujança, de rigor, de vitalidade. Da fase sonhadora, mesclada talvez de certa indisciplina, compreensível nas instituições nascentes, passou-se às fases das definições, no encalço de uma disciplina e de um roteiro. As equipes movimentaram-se conscientemente, e a cidade tomou conhecimento de que os rapazes se decidiram a tomar posição, a despertar vocações nascentes, a incrementar o movimento artístico e literário, servindo com devotamento à cultura. O Clube da Madrugada era uma realidade seivosa.
Tenho consciência nítida da que sempre estimulei esses moços, que surgiam diante de minhas pupilas tocados pela centelha eletrizante de um ideal superior. É só consultarem minhas colaborações na imprensa amazonense, que já se avoluma de vinte anos, e terão a prova convincente. Cheguei a sugerir ao escritor Péricles Moraes, presidente da Academia Amazonense de Letras, ao tempo da fundação do Clube da Madrugada, de quem fui colaborador imediato e cotidiano nos movimentos culturais que entendiam com a Casa de Adriano Jorge, que observasse os rapazes, que lhes acompanhasse os passos na seara das letras. Avancei a ideia do aproveitamento de alguns para a Academia, no intuito de uma revitalização do sodalício. Os clubistas têm consciência dessa posição. Outros confrades, como Aristóphano Antony, também assim pensavam.
Como quer que seja, entendo que a linha do Clube da Madrugada não deve de incremento literário e artístico, tendo em mira o progresso cultural do Amazonas. Não devem ser forças antagônicas, mas forças vivas, formando uma mesma dinâmica pelo soerguimento pensamental, pelo esplendor das letras e das artes, pelo culto do idioma e da literatura nacional.
O Clube da Madrugada possui nomes expressivos em seus quadros: Aluísio Sampaio, Alencar e Silva, Edson Farias, João Bosco Evangelista, Álvaro Páscoa, Carlos Gomes, Farias de Carvalho, Jorge Tufic, Arthur Engrácio, Pedro Amorim, Ivens Lima, Jefferson Peres, Afrânio Castro, Evandro Carreira, Miguel Barrela, João Bosco Araújo, Saul Benchimol, Antonio Augusto Gurgel do Amaral, J. Maciel, Hahnemann Bacelar, Luiz Bezerra, Pe. L. Ruas, Sebastião Norões, Getúlio Alho, Ernesto Pinho, Ernesto Penafort, Antísthenes Pinto, Óscar Ramos Filho, Pedro Santos, Cosme Alves Neto, Guimarães de Paula, Nauro Machado, Nazareno Tourinho, Assis Brasil, Astrid Cabral, Nivaldo Santiago, Teodoro Botinelly de Assunção, Leopoldo Peres Sobrinho, Djalma Passos, Moacir Couto de Andrade. Servi-me de uma relação que me foi oferecida pelo clubista Jorge Tufic, cuja ordem nominal mantive.
Já é volumosa a coleção dos livros lançados pelos clubistas. Farias de Carvalho brindou-nos com “Pássaro de Cinza”, bem festejado pela crítica. É sem favor um dos mais belos talentos poéticos da nova geração, refulgindo ainda como excelente declamador. Jorge Tufic, outro poeta de raça e intelectual de elevadas preferências mentais, deu à estampa “Varanda de Pássaros”, na qual, em verdade, só gorjeia uma ave: o pássaro de sua maviosa inspiração. Alencar e Silva, que já nos havia dado “Painéis”, voltou com melhor garbo e amadurecimento em “Lunamarga”, sua última conquista, saudada com desbordante entusiasmo. Padre Luiz Ruas, um dos brasões mais refulgentes do Clube, é autor de “Aparição do Clown”, que revelou um poeta de impressivos e expressivos surtos e uma inteligência de radiosa claridade. “Poesia Frequentemente” é de Sebastião Norões, discípulo fervoroso de Dario e Guillén, livro que patenteia um intelectual e poeta de muita sensibilidade e intuição. Antísthenes Pinto, que estreara como inspirado poeta em “Sombra e Asfalto”, em que há claridades de plenilúnios e olhares serenos de pupilas de sonhador, surge agora como novelista, sobraçando o seu “Chavascal”, núperlançado. Na crítica literária acompanho com interesse e aplauso a desenvoltura de Aluísio Sampaio e Arthur Engrácio, cujas recensões refletem a agudeza e o faro de conspícuos analistas. Engrácio ainda brilha no conto e na novelística, e suas “Histórias de Submundo” dão-nos o fôlego e as dimensões do contista.
Na pintura, na escultura, na xilogravura, no campo fascinante das artes plásticas, o Clube da Madrugada apresenta uma plêiade de admiráveis artistas, alguns de renome nacional; Moacir Andrade, Hahnneman Bacelar, Getúlio Alho, Afrânio de Castro, Álvaro Páscoa e outros que honrariam os melhores e mais exigentes salões de arte.
Na eloquência e oratória há um nome que se impõe vitorioso: Evandro Carreira, já consagrado num concurso nacional de oratória. No campo das ciências sociais e econômicas Jefferson Peres e Saul Benchimol são figuras de alto relevo, que dignificam qualquer instituição de cultura. No mundo empolgante do canto e da música esplendem Nivaldo Santiago, Pedro Amorim e outros.
O Clube da Madrugada possui uma flor escarlate em seu jardim, que lhe dá realce e encanto: Astrid Cabral, a mais talentosa de quantas alunas tive no Instituto de Educação. É a única mulher, a florir com o seu formoso talento no sodalício presidido pelo meu amigo Aluísio Sampaio. Embora ausente, sei que Astrid não perde o contato com o seu Clube, e sempre envia suas produções.
Muitos são os que me perguntaram e perguntam acerca de minha posição em face do movimento do Clube da Madrugada. É de plena fraternidade e simpatia. Embora minha formação intelectual tenha sido eminentemente clássica e acadêmica, a verdade verdadeira é que nunca me prendi a escolas, pelos menos de um modo exclusivo. Sou como a abelha industriosa, que vai de flor em flor, à cata do néctar para o fabrico do mel delicioso. Sempre me atraiu o princípio da variedade: “varietas delectat”. Tenho poetas de minha mais alta estima e preferência em todas as escolas e correntes literárias. Afinal, o que monta não é a escola, mas o talento do intelectual e do poeta. Só há uma realidade: é a POESIA. Como quer que seja, dou em letra o meu abraço aos sócios do Clube da Madrugada, exortando-os à continuação da peleja em prol do progresso cultural de nossa terra. Ergamos bem alto o nome do Amazonas na comunhão nacional pela afirmação da nossa inteligência, no cultivo fascinante das boas letras e das belas artes!
(Publicado no Jornal do Comércio de 03 de abril de 1966. Mantido ipsis litteris o texto original, com adaptação à nova ortografia).
MINIBIOGRAFIA. Raimundo Nonato Pinheiro nasceu em Manaus, em 1922, e morreu em 1994. Era conhecido como Pe. Nonato Pinheiro, como geralmente assinava seus artigos jornalísticos. Foi sacerdote, jornalista, filólogo, latinólogo, professor, poeta, escritor, membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Grande orador e articulista brilhante de cultura polimorfa. Publicou as seguintes obras: “Dom José Pereira Alves, fulgores do Episcopado” (Editora Vozes, 1954); “Dom João da Matta” (biografia, 1956; e uma 2ª edição, Editora Valer, Manaus: 2008). Publicou na imprensa local artigos, crônicas, poesias e ensaios. 

domingo, 7 de outubro de 2018

Testemunho sobre Aparição do clown

Testemunho sobre Aparição do clown
(Jorge Tufic)
Capa da 1a. edição de Aparição do Clown (1959).
Concepção absolutamente inovadora do artista plástico Óscar Ramos.
'
Esse ponto longínquo de nossa vida, o janeiro de 1959, se constitui num dos mais altos da literatura amazonense, em particular do movimento Madrugada. L. Ruas, tal como assinava os seus livros, artigos e crônicas, surpreende a todos com este seu longo poema, ao mesmo tempo estranho e revolucionário, mas no fundo mesmo uma projeção corajosa da personalidade do autor.
clown de Ruas é o ator ou o dançarino do universo que ele consegue libertar das amarras sociais e dos preconceitos irremovíveis, um corpo astral de silêncios e coisas que se transformam, ao menor toque de um bastão luminoso. Basta dizer que até hoje ninguém soube interpretá-lo, seja como texto, seja como fosse a partitura volátil de uma confissão transbordante, plena de movimentos em busca de uma unidade de sons e palavras, afinal conquistada.

Terá sido difícil a esse religioso evitar uma prática antiga daqueles que, embora poetas, se devotam a Deus ou a Krishna, e acabam por esquecer que à poesia não cabe o papel de servir, mas de ser servida.

Pois eu considero o Aparição do clown uma batalha entre a cruz, como dever a Deus, e a liberdade, como dever à Deus e à poesia. Uma forma terrena e divina de conciliação dos extremos, mas onde, graças à Poesia, os extremos também desaparecem, enquanto libertam.

Meu testemunho sobre L. Ruas abrange esse largo período de nossa existência, que vai da fundação do Clube da Madrugada, em novembro de 1954; atravessa os anos selvagens da ditadura militar; sangra nos tempos em que o poeta esteve longe de nosso convívio; termina com o seu falecimento e a minha transferência domiciliar de Manaus para Fortaleza.

Foram memoráveis os nossos encontros de final de semana!

Memoráveis os seus discursos ao pé do mulateiro, na Praça da Polícia Militar!

Memoráveis as missas que celebrava!

E os porres, também, com muita dignidade!


1975, lançamento de Faturação do ócio, de Jorge Tufic. L. Ruas discursa ao pé do mulateiro, árvore-símbolo do Clube da Madrugada. Atrás dele, de paletó, Luiz Cabral e Tufic. Ao seu lado, de perfil, Aluísio Sampaio.

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

SONETO VIII

SONETO VIII



VIII

Cantadores chegavam nos gaiolas
resplandecendo trovas consteladas,
e entre os sabores negros da partida
ardiam no alecrim das madrugadas.
Luas multiplicavam seus cavalos,
dragões comiam flor; e no tormento
das fogueiras solares se expandiam
desdobrando os cordéis do pensamento.
Comparava-se o mundo a qualquer bicho
que anda chutando os pobres de sua terra,
bicho-papão de sonhos e quimeras.
Nordestinadas levas, seringueiros
dos quais resta essa dor, viola serena
que nos consola porque vale a pena.

CLUBE DA MADRUGADA


Compartilhando mais um texto do saudoso poeta Jorge Tufic, que foi quem mais escreveu sobre o tema, sobre este movimento, por isso, entendo que seus nomes se vinculam. Lembro aos neófitos que a placa de latão que Tufic alude e dela reproduz o texto, encontra-se agora afixada em concreto ao pé do mulateiro.

O texto foi sacado do Jornal Cultura, de setembro de 1975, acervo do Arquivo Público. A foto do repórter policial Jorge Tufic circulou na edição do extinto O Jornal, em 2 de agosto de 1952, portanto, há 66 anos. 





Jornal Cultura -setembro 1975



As origens mais remotas do Clube da Madrugada residem na Caravana dos Quatro Monges, composta por quatro jovens da década dos anos 50, do século passado: Alencar e Silva, Jorge Tufic, Farias de Carvalho e Antistenes Pinto. Estes jovens, sufocados pelo acanhamento intelectual da província, aproveitaram as benesses de uma passagem Manaus-Rio de Janeiro, em 1951, por um avião da FAB, chegando ao Rio deslumbrados, com seus versos parnasianos e seus poemas marcados pelas influências românticas e simbolista. Mas, o contato com a nova literatura brasileira fê-los renunciar, sem, demora, aos calhamaços que conduziam pesados na glória de tantos outros poetas do passado, egressos da província. Foi um terrível “auto-de-fé” aquele, quando milhares de suspiros poéticos tiveram que ser incinerados.

O verso livre e a poesia moderna haviam inoculado o seu vírus benéfico, contudo, porque desse reconhecimento do tempo presente nasceria depois o Clube da Madrugada. Isto porque a Caravana de Monges desfez-se para uma nova concepção do mundo em que seus fundadores viviam e ansiavam para afirmar-se.



Deste modo, voltando a Manaus, juntaram-se eles a outros jovens que faziam do Pavilhão São Jorge (Café do Pina) o seu ponto preferido na véspera da cada noite. Deste retorno, novos encontros com novas mentalidades, com novos elementos de outras áreas (pintores, sociólogos, economistas, políticos, filólogos, juristas etc.) foi germinando a ideia de uma agremiação eclética, universal, aberta a todas as manifestações do pensamento, que seria, ao mesmo tempo, o prenúncio da antecipação de uma Universidade Livre, sem fronteiras, sem preconceitos de raça, cor ou ideologia.



"Não seria preciso frisar que semanas mais tarde, tendo-se deflagrado a cápsula mágica do Clube da Madrugada, estaria o mesmo ancorando os seus ideais de cultura o liberdade ao pé do velho Mulateiro que, hoje, numa vivência física e espiritual do Clube resolve absorver lentamente em sua carnadura vegetal a velha placa de latão que lhe fora pregada com os seguintes dizeres:





“Pois foi. Jovens se reuniram sob a fronde desta árvore, e aconteceu. Quando madrugada, o Clube surgiu. Era novembro, vinte e dois. 1954, e fez-se.”

sábado, 21 de julho de 2018

“FIOS DE LUZ: AROMAS VIVOS”: a voz da saudade

“FIOS DE LUZ: AROMAS VIVOS”: a voz da saudade


“FIOS DE LUZ: AROMAS VIVOS”: a voz da saudade

por Tânia Du Bois

        Fios de luz, aromas vivos: leitura de Retrato de Mãe,soneto de Jorge Tufic, por Rogel Samuel: “Venham os fios de luz para tecê-la, aromas vivos para senti-la, às palavras do filho descrevê-la, proferi-la” (Rogel Samuel).
        Não conheço Jorge Tufic pessoalmente, e sim através de suas obras literárias: adoro! Penso que o Poeta merece uma homenagem especial, e o escritor Rogel Samuel dá essa atenção através de reflexões literárias em 15 sonetos de Tufic.
         Samuel ressalta o caráter literário da obra com olhar sobre o poeta. Revela o poder de quem interpreta costurando palavras e dando o significado à estrutura maternal dos sonetos, e declara que “o mundo poético e o mundo da realidade colidem, possuindo cada qual a sua própria verdade”.
        Fios de luz, aromas vivos – são sonetos que Jorge Tufic, inspirado na realidade, reconhece como expressão das lembranças. Segundo Samuel, “... acaba por ser mais real do que a própria realidade.” A voz de Tufic reflete a sua própria imagem, onde faz um testemunho do Retrato de Mãe. Em jogo de palavras, proclama histórias que espelham a sua relação com a sua mãe, como se fosse ontem e vivesse o amanhã. Cria significado através do tempo e das lembranças que sinalizam a sua ausência, buscando dar sentido à sua vida. “Que restara de ti, dos teus pertences? //... Tudo posto num saco humilde e roto. / Eu quis, então, medir esse legado, / mas limites não vi para a tristeza. / Davas a sensação de que o tesouro / se enterrara contigo. //... Que eternidade / pode igualar-se à voz desta saudade?”
        Através da imagem poética, mostra o seu eu versusmãe, ao alcançar a infinitude do tempo: sua intimidade desvela os mistérios da dor da ausência. Nesse horizonte, o poeta compreende, interpreta e projeta o sentido da herança da Grande Mãe que se perde com a morte.
        Fios de luz, aromas vivos revela a parceria de mãe e filho, onde apenas o amor é o único segredo. E a memória do poeta reconstrói os bons momentos sem se perder no tempo. “Nossa infância era tudo iluminada / pelas fontes da tua juventude. //... Ainda te vejo, o porte esbelto indo / por aqueles baldios transparentes / onde a luz, de tão verde, pincelando / os ermos...”
        Mesmo com a saudade presente, Jorge Tufic, em seus sonetos, volta ao seio materno para registrar a importância e a resistência da lembrança (viva) em sua vida. Ao escrever Retrato de Mãe, não teve medo de mostrar a outra face, o lado filho.
        O encontro entre lembranças e saudades, filho e mãe, deu a oportunidade ao escritor Rogel Samuel de fazer a análise detalhada da obra, mostrando o Poeta Jorge Tufic com o dom do mistério menor e mais emoção, revelando, mais uma vez, o seu talento literário.

sábado, 14 de julho de 2018

O BOTO

Autor, traço de Anísio Mello
Para comemorar 25 anos de poesia, o saudoso poeta Jorge Tufic elaborou uma série de poemas sobre temas regionais. Deu-lhe o título de "Os mitos da criação e outros poemas", e assim reinaugurava a circulação do Jornal Cultura, publicação do Fundação Cultural do Amazonas - Seduc, relativo a março/abril de 1980. 
Compartilho este poema, cujo tema nos é bem conhecido.


Recorte da publicação
 O BOTO 

Rema, Senhor: festança vai começar.Vento cheira à baunilha. As sombras andampara trás, como exércitos em fuga.Margem leste caminha vem trazendoa lua. São Jorge fica mais pertoenquanto o dragão lhe atiça a fogueira.Noite agora é um clarão, clarão de festa,onde o boto apessoado comparececom seu terno de linho. Madrugadaele volta ao perau. Leva, nos braçosa cabocla que dorme e que parececonsentir no feitiço que a tornaradona de um reino aquático, ou talvezde um sonho que mãe-d’água lhe contara.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

POEMA EM BLUE

POEMA EM BLUE


POEMA EM BLUE

Vou sendo a lua de março
cantada por Langston Hughes.
Vou sendo a noite que trouxe
uma asa quebrada
ao terreno baldio.
Vou sendo o ritmo de jazz
que vem das entranhas do mundo
para as foices de algodão.
Vou sendo este negro que tenho
em meu punho de rosas
e pregos descidos da cruz.

JORGE TUFIC EM UM BREVE PERCURSO POÉTICO DE 1956-2000

JORGE TUFIC EM UM BREVE PERCURSO POÉTICO DE 1956-2000


Diogo Sarraff Soares (UFAM)


Quando se percorre pelo itinerário poético de Jorge Tufic,
a crítica é unânime ao afirmar que o poeta se destaca como um
dos mais ricos e de maior complexidade da literatura de expressão
amazonense, por causa da multiplicidade de temas e da variedade
de formas literárias que envolvem sua obra. Poeta que se divide
entre o universal e o regional (ALENCAR E SILVA, 2004), tem uma
poesia rigorosa, reflexiva e inquieta (PINTO, 2014), que se constitui
a partir de um rigor formal (TELLES, 2012) e pela renovação da
linguagem (PÉRES, 1974).
Jorge Tufic é um dos poucos poetas de expressão amazonense
que, em relação aos seus contemporâneos, compõe poemas que
perpassam os diversos campos existenciais e formais. Tal qualidade
faz com que seja possível uma aproximação de sua obra com a história
da literatura nacional, sobretudo, daquela que se manifestou no
Brasil a partir da segunda metade do século XX. No aspecto geral,
a obra deste poeta percorre por uma atmosfera imbuída de tradição
alternando com o espírito da novidade. Sua linguagem é feita a partir
de uma realidade subjetiva, com conotação, às vezes, espiritual,
às vezes, cética. Daí uma proximidade com a poesia brasileira dos
poetas que se firmaram após a fase heroica do Modernismo, como
Jorge de Lima, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade e
João Cabral de Melo Neto.
Foi através de viagens, denominadas caravanas, ocorridas entre
1951 e 1953, e ao lado de outros jovens do Clube da Madrugada que
não aceitavam a condição da arte e da cultura da região, que Jorge
Tufic partiu em busca do confronto com a cultura e a literatura do
Sul do Brasil, a fim de ultrapassar a retrógrada cultural local. Esse
movimento em direção ao Rio de Janeiro promoveu muitos aprendizados
em torno da arte e da literatura, resultando nas diretrizes que
nortearam o Clube da Madrugada, enquanto movimento revolucionário
responsável pela reformulação da linguagem literária e das
demais expressões artísticas no Amazonas. Serviu também para que
Tufic aprimorasse suas convicções em torno da literatura e atingisse
outros níveis de experimentação na composição de sua obra.
Este texto procura esquematizar um itinerário para a poesia
de Jorge Tufic, um dos fundadores do Clube da Madrugada e um
dos poetas coadjuvantes da construção de uma identidade literária
da expressão amazonense. O trabalho se estrutura a partir de
uma divisão em três fases, sempre evidenciando o caráter múltiplo
e plural que sua poesia possui, desde a segunda metade da década
de cinquenta até os primeiros anos do século XXI. Para isso, faz-se
necessário a enumeração de seus livros líricos, os quais são apresentados
em ordem de publicação, provocando a reflexão em torno de
uma obra que mesmo com sua relevância anunciada pelos leitores e
pela crítica, ainda é pouco lembrada nas academias e universidades
brasileiras.
De 1956 a 1974: um percurso entre a tradição e a experimentação
Os leitores que já realizaram apreciações críticas em torno da
obra de Jorge Tufic asseguram que de 1956, ano de sua estreia na lírica
com Varanda de pássaros até 1974, período em que publica Faturação
do ócio, a obra do poeta se encontra em estágios de constantes
transformações. Por incrível que pareça, o intervalo entre a primeira
e a quarta obra constitui-se de 18 anos, idade que normalmente
representa maioridade e mudanças. No entanto, este autor adverte
que a obra do poeta emergiu na década de cinquenta já em um estágio
maduro e que deste este período até 1974 organiza-se em um
percurso constituído por tentativas e experimentos que variam no
uso de técnicas da tradição e da experimentação no ato de criação,
cujo resultado consiste em quatro livros: Varanda de pássaros (1956),
Pequena antologia da Madrugada (1958), Chão sem mácula (1966), Faturação
do ócio (1974).
O livro intitulado Varanda de pássaros, por meio do qual o poeta
é reconhecido pela crítica nacional, foi publicado inicialmente dois
anos após a inauguração oficial do Clube da Madrugada como agremiação
responsável pela reformulação da literatura do Amazonas,
na segunda metade do século XX. No entanto, este livro apresenta

poemas, cuja forma se insere em tendências tradicionais do que
executa a inovação preconizada pelo grêmio. O ideal de retorno
à tradição, nesta primeira publicação, é resultado de estudos que
o autor fizera em torno da poesia clássica e representa o início da
diversidade de sua obra. Com este livro, o autor surge como um
poeta com características parnasianas, demonstrando afeição pelo
soneto e dedicação às métricas regulares, aos versos decassílabos e
às redondilhas, às rimas tradicionais do poema, à subjetividade da
palavra, à eternização do tempo e das situações do cotidiano, ao
emprego de temas de caráter nacionalista, como o mito e a alusão
ao verde da Amazônia. Sobre este livro, Benedito Nunes registra:
O livro assinala uma poesia versátil, sedutora, mas que não se
caracteriza por essa fácil exuberância que constitui quase uma
praxe na afirmação dos jovens talentos. Possui riqueza contida
e propensão geométrica à disciplina da forma (NUNES, 2005,
p. 61).
Benedito Nunes diz que o livro em questão apresenta poemas
que, embora sedutores são versáteis e anuncia que o poeta emerge
na literatura com uma obra ajustada, já madura e cuja multiplicidade
se encontra na riqueza contida na palavra e na disciplina formal.
A versatilidade do livro é evidente porque além de apresentar uma
vertente tradicional, o autor se insere como um agente da linguagem,
tratando, por este lado, de temas metalinguísticos a ponto de
chegar à reflexão da existência e trajetória da vida humana.
Se Varanda de pássaros concebe um escritor que toma partido
das tendências da poética clássica, seus poemas publicados em Pequena
antologia da madrugada, de 1958, promovem a preservação de
tais disposições com algumas outras alusões à expressão clássica. O
livro, que reúne alguns textos em versos dos primeiros membros do
Clube e que representa a consolidação do movimento, expõe um
Tufic ainda mais aplicado ao soneto, mas que passa a investir em
outras formas clássicas, como a ode. Assim como os alguns outros
escritores da Madrugada, ele se firma como o poeta das formas fixas,
sendo esta a primeira marca de sua versatilidade. Sobre esta
afirmação, Padre Nonato Pinheiro comenta:
Cada nova manifestação dos clubistas era uma explosão e afirmação

de pujança, de rigor, de vitalidade. Da fase sonhadora
mesclada talvez de certa indisciplina, compreensível nas instituições
nascentes, passou-se às fases das definições, no encalço de
uma disciplina e de um roteiro (PINHEIRO, 2017).
Em Pequena antologia da madrugada, Tufic permanece na sua disciplina
quanto às formas clássicas e continua a oferecer um espaço
ainda maior para a inovação em sua escritura, arraigando-se como
o profissional da linguagem que tem consciência de sua função no
texto através da metalinguagem, dando destaque ao metapoema, ao
soneto, que agora adquire a forma shakespeariana, e a ode que exalta
outros poetas, dedicando-lhes poemas.
A terceira obra de Jorge Tufic se intitula Chão sem mácula e foi
publicada em 1966, dez anos após o lançamento do seu primeiro
livro. A obra compreende, além das marcas da vertente tradicional
anteriormente estabelecidas, outro aspecto proeminente, consiste
na inovadora configuração de sua escritura e que é capaz de conceber
valor determinante aos poemas do livro. O soneto e as outras
formas poéticas passam a utilizar uma dicção sucinta, realizada através
de poucas palavras e versos, em que a significação poética se
constitui por meio da sugestão. Sobre este elemento empreendido
no terceiro livro, Jeferson Péres comenta:
O que importa é a substancia, o conteúdo poético, expresso pela
linguagem renovada, pelo vocábulo revalorizado, que ultrapassa
o sentido meramente gramatical, para adquirir a grandeza de
símbolo. É o abandono da forma discursiva, que muitas vezes
não passa de prosa rimada e metrificada. A verdadeira poesia é
emoção pura, mais sugere do que diz (PÉRES, 1974).
O intervalo que existe entre Varanda de pássaros e Chão sem mácula
permite assegurar a existência das grandiosas diferenças entre a
primeira e a terceira publicação. Neste último livro, o poeta investe
um pouco mais em recursos que desviam as formas padronizadas
pela poética clássica, fazendo com que seu poema se torne, além de
versátil esteticamente, mais breve e cheio de significado. A escritura
do poeta passa a ter em definitivo uma conotação modernista, através
da qual se realiza experimentos de acordo com as tendências de
vanguarda, como o surrealismo e o concretismo.
Já em Faturação do ócio, a quarta obra poética de Jorge Tufic,

publicada em 1974, pode-se dizer que através dela, o poeta chega
ao apogeu de sua postura modernista e da efetivação da sua visão
concretista da arte. É verdade que a parte final do livro se apresenta
ainda sonetos na forma shakespeariana, com rimas tradicionais e
versos regulares, mas também é apropriado assinalar que um fato
inédito está presente no livro como uma realidade que ultrapassa
as medidas habituais da obra do poeta: a experimentação baseada
no concretismo e na teoria do poeta em torno da Poesia de Muro.
Sobre a obra, Luiz Ruas escreve:
Podemos dizer, agora, que Tufic, está em pleno mar. Em “Faturação
do ócio” descobrimos um navegador experimentado, seguro
de si mesmo, governando com mãos firmes o leme de sua nave,
conhecedor de todos os perigos que se escondem nos caminhos
sem rastros dos altos mares (RUAS, 1974, p. 17).
No geral, o livro Faturação do ócio adota a identidade de uma
poética verbal em cujas composições os recursos visuais são combinados
com recursos sonoros, como se nota no poema
Ode
Campo
Bode (TUFIC, 1974, p. 88).
Em que uma paisagem bucólica é desenhada através de três palavras,
que constituem os versos do poema. Admitindo esta característica,
que está conectada aos postulados da Poesia de Muro, o livro
possui caráter crítico e de manifesto, ou de caráter Murifesto, como
diz o próprio escritor. A linguagem literária é alvo de objeções, tornando-
se artifício de sua própria crítica. Com este livro, o poeta diz
que a linguagem poética reformulada e todas as artes que desconstroem
os sistemas tradicionais também têm valor estético. Inclusive,
a primeira e única edição do livro se estrutura através de uma reedição
na parte inicial de seus três livros anteriores, organizados de
maneira cronológica, apresentando em seguida poemas inéditos, os
poemas concretistas e, por fim, o segmento que dá título ao livro.
Portanto, de 1956 a 1974, a obra de Jorge Tufic tem como traços
fundamentais a multiplicidade, a maturidade, a versatilidade, mutabilidade
e sua poesia é breve e reflexiva, fala sobre questões existências
e metafisicas, e eterniza o cotidiano através de um percurso que

vai da tradição à experimentação. Quase nenhum outro poeta do
Clube da Madrugada percorreu, assim como ele, os caminhos opostos
da tradição e da experimentação quase que simultaneamente. A
multiplicidade que permeia a obra de Tufic se desenvolveu desde a
primeira publicação, sendo que em Varanda de pássaros, o poeta se
deteve mais para o extremo da tradição, e em Faturação do ócio, mais
para o da inovação, sendo, assim, uma via de mão dupla: o poeta se
dedicou às formas fixas, mas também aos poemas concretos; inspirou-
se na tradição e também deu vez à inovação; valorizou e métrica
e também o verso livre.
A década de oitenta e a fase regional de Tufic
Tendo se firmado, por um lado, como um poeta parnasiano,
amante da forma e dos recursos clássicos e, por outro, como um
dos participantes do progresso cultural através da renovação da
linguagem literária e do manifesto que foi a Poesia de Muro, Jorge
Tufic dá sequência ao seu trabalho cuidadoso de criação poética,
estabelecendo-se na década de oitenta em um estilo mais distante da
renovação e das tendências modernistas, mais próximo da tradição
mitológica e das alusões aos elementos regionais. Neste período,
as reuniões do Clube da Madrugada eram menos frequentes e as
tendências literárias que estavam em voga, na segunda metade do
século XX, já perdiam sua força. Por esse motivo, os anos oitenta
constituíram um momento em que a produção poética tuficquiana
se moveu do espírito modernista para a valorização, às vezes, do universal
e, às vezes, da cor-local, como destaca Alencar e Silva quando
trata desta época no itinerário da obra de Jorge Tufic.
Diria, pois, que, enquanto uma das faces se caracteriza difusamente
pelo universal ou pela ausência de cor-local, a outra se
identifica precisamente por este último atributo, isto é: pela importância
que o imaginário amazônico viria a representar na
obra do Poeta (ALENCAR E SILVA, 2005, p. 10-11).
A década de oitenta já começa com um fato expressivo para o
Amazonas e para a poesia de Tufic, que terá características regionais
e, posteriormente, relação com as outras artes, principalmente
com a música. No dia primeiro de setembro de 1980 na Praça do
Congresso, o governador José Bernardino Lindoso profere um dis
curso a respeito do lançamento oficial do Hino do Amazonas, de
autoria de Jorge Tufic. O hino é resultado de um concurso público
e revela marcas poéticas ufanistas de exaltação à beleza natural, à
população e à cultura da região. Conforme o governador José Lindoso
(2015), “o Hino traz, entranhado nas suas expressões, na sua
sublimidade, esse sentido profundo da harmonia de civilização que
vamos construir com a própria natureza”, isto é, a poesia de Tufic
indica a emancipação do homem amazonense através da grandiosidade
do próprio ambiente em que vive. Em outro trecho, o governador
completa:
É a floresta que vai nos ensinar, também, ao sopro dos ventos
e no vigor dos ramos, na beleza das flores e no canto das aves,
que seremos grandes quando soubermos ser grandes pelo
amor à natureza, pelas responsabilidades com a sociedade e
pelo pensamento eterno de que o Amazonas é grande (LINDOSO,
2005).
O Hino do Amazonas consiste em um canto que celebra as
conquistas da pátria amazonense, cuja música é do maestro Cláudio
Santoro. O hino retrata a gênese deste povo, que ocorreu a
partir de um passado obscuro, marcado por lutas e vitórias. Em seguida,
fala do presente, cujas batalhas já tiveram fim, mas a atitude
de luta e o sentimento de esperança são costumes que continuam
entranhados no povo. O hino ainda exalta o verde da floresta, a
riqueza das matas, a vida das aves e o brilho dos rios, é a primeira
expressão de uma fase que valoriza os elementos regionais, na poética
de Jorge Tufic.
Ainda em 1980, dando sequência à fase de valoração de temas
de cunho regional e do imaginário amazonense, o poeta publica Os
mitos da criação e outros poemas, livro em que se dedica também a uma
mitologia elementar através de um estilo particular. Este livro se
compõe, principalmente, de uma série de poemas que tratam da mitologia
antiga, tendo como alguns dos títulos os poemas “Khnun”,
“Zoroastro” e “Pã”, que se reportam, respectivamente, às mitologias
egípcia, persa e grega. No entanto, no livro o poeta também invade
o mundo do imaginário amazonense, além de subscrever poeticamente
os mitos da era tecnológica e de situações protagonizadas por

seres que se ocultam nos fatos e nas coisas do quotidiano
Este livro consiste em uma fração da vertente tradicional e da
face regional de Tufic porque se volta, sobretudo, a temas da tradição,
mas também à mitologia amazonense, embora os poemas se
estruturem formalmente em um estilo particular e não se configurem
como os modelos canônicos. Por causa disso, o poeta rompe
aí com as intenções clássicas, pois os poemas não se apresentam
mais através das formas fixas e por meio de métrica regular, mas
sim através das formas diversificadas, do metro livre e verso branco,
que esboçam seres fantásticos do imaginário ancestral e amazônico.
Como diz Márcio Souza (1980), este livro é a invenção de Orfeu
do poeta Jorge Tufic, em que os seres mitológicos são combinados
numa poética sem moldes ou regras.
Em 1982 é publicado Oficina de textos, livro de poemas em tabloide,
cujo suporte é para Jorge Tufic um “livrornal”, uma preferência
de publicação alternativa para os livros de poemas do autor. Os tabloides
do poeta demonstram evolução em suas publicações, mas
hoje em dia o acesso aos originais é difícil. Neste, o poeta dá sequência
à sua escritura variada e pessoal, a qual não se liga às regras e
convenções de escolas artísticas. Em uma pesquisa de Rafael Alauzo
Santo Nicola, publicada na homepage intitulada JORGETUFIC, de
2008, o pesquisador fala sobre Oficina de textos:
Com efeito, é difícil identificar nele qualquer influência de modas
ou de autores. Sua linguagem é pessoal, seus temas são vários
e o conteúdo de sua mensagem é uma crítica permanente à
lógica e às regrinhas insossas do mundo em que se vive, quando
não um motivo para o canto, na justaposição das metáforas e no
desabafo marginal (NICOLA, 2008).
Quase no final da década de oitenta, no ano de 1987, parte
da obra de Jorge Tufic é publicada em um volume único, cujo título
é Poesia reunida. O livro apresenta uma reunião de onze livros
de poesia do escritor, dentre os quais, há um inédito, denominado
“Carta genética”, que compõe o segmento final do volume. Neste
livro, observa-se o panorama de uma obra multifacetada por causa
de uma lírica intimista, que trata de temas variados, como a metafísica,
a metalinguagem, com traços regionais, entre outros, através de
formas ligadas às regras clássicas ou distantes delas, como pontua a
professora Socorro Santiago

Assim é que Jorge Tufic [...] não teve receio de enveredar pelos
caminhos difíceis de uma temática que abrange desde os assuntos
prosaicos do cotidiano, até as elucubrações de ordem metafísica,
detendo-se, muitas vezes, em profundas reflexões sobre a
razão de ser e o mistério da existência humana, sem rejeitar a
temática de cunho regional (SANTIAGO, 1987, p. 11-12).
Além de propor uma poesia menos sujeita às prescrições de
reformulação da linguagem literária dos modernistas, a década de
oitenta também trouxe para a obra de Jorge Tufic uma poesia voltada
à região e a maior liberdade para se testar as possibilidades
particulares, mais soltas dos estilos de épocas específicos, cujas perspectivas
acabaram acrescentando aspectos em uma obra que já era
múltipla. Este regionalismo de Jorge Tufic é tradição, quando o poeta
busca a mitologia, ainda que sejam os mitos antigos, não só os do
imaginário amazonense, para falar sobre a criação, os deuses e os
seres fantásticos e também quando sua escritura é ufanista. Em contrapartida,
é experimentação quando, rompendo com as tendências
formais predefinidas, ainda que seja a definição dos valores do poema
para os modernistas, o poeta se desliga das escolas literárias,
compondo uma escritura de estilo próprio.
Fins do século XX e início do século XXI: uma fase
pós-modernista
Tendo se utilizado dos principais extremos da composição poética,
a tradição e a experimentação, desde a sua estreia na literatura,
passando em seguida para uma fase regional, o poeta Jorge Tufic
esboça, da década de noventa até os anos 2000, breves sinais da
literatura pós-modernista e um retrospecto de tudo o que já havia
apresentado em sua poesia desde a década de cinquenta. A multiplicidade,
a metafísica, a síntese, o olhar eterno e reflexivo em torno
do tempo e do espaço, o soneto e a ode são alguns dos elementos e
formas que retornarão à prática poética do escritor, cuja obra procurará
tematizar alguns valores concebidos pelo pós-modernismo e
servirá para afirmar a qualidade estética de uma obra que desde o
início emergiu com maturidade, pluralidade e peculiaridade.
Na década de noventa, o primeiro livro lírico de Jorge Tufic a


ser publicado foi Retrato de mãe, cujo lançamento ocorreu, em 1995,
em Fortaleza, cidade onde o poeta ficou-se desde o início desta década,
quando se aposentou do funcionalismo público em Manaus.
O livro consiste em um a reunião de quinze sonetos, sob a forma
shakespeariana que evocam a imagem de Dona Faride Awayjen Alaúzo,
mãe do poeta. Tendo sua genitora como única inspiração para a
composição de desta obra, em uma tentativa de se desenhar o perfil
de tal personagem, o poeta percorre por variadas temáticas, desde
o saudosismo e a nostalgia, até o louvor e o lamento, atitude que
poderia torná-lo piegas. Mas não é isso o que ocorreu, como ressalta
Rogel Samuel em sua leitura da obra:
Mas Jorge Tufic é um poeta excepcional, e não foi piegas: com
que realizou sua obra-prima, sonetos pós-modernos em que ele
traça o perfil, o “Retrato de mãe”, sua verdadeira mãe, ou da
personagem mãe (SAMUEL, 2012, p. 15).
Na verdade, este livro não tem finalidade de exprimir novidade
quanto à forma, muito embora tenha traços pós-modernistas, conforme
a análise de Rogel Samuel. Apesar de expressar um sentimento
melancólico devido à ausência de sua mãe, no livro o poeta revela o
cuidado e proteção que dela recebia e, por isso, torna engrandecida
esta personagem. Desta forma, o escritor questiona a importância
de representantes da família e dos papéis dos familiares em uma
década em que existe indiferença dos cuidados dos pais.
Se, na década de oitenta, o poeta suspendeu sua dedicação à
composição de sonetos, na década de noventa, este devotamento
reaparece. Em Retrato de mãe o soneto ressurge não mais para imbuir
os valores da tradição, mas para autenticar a característica multifacetada
do poeta e o seu amor pela forma fixa. Na publicação
subsequente, em Sinos de papel, de 1998, a dedicação do poeta à
forma tem continuidade, no entanto, através da composição de haicais.
Neste livro, o escritor apresenta cinquenta haicais previamente
selecionados que se estruturam, em sua grande maioria, a partir da
forma tradicional do pequeno poema nipônico, isto é, uma estrofe
com dezessete sílabas distribuídas em três versos, com cinco sílabas
no primeiro, sete no segundo e cinco no terceiro verso.
Aclamado pelo poeta Marco Antônio Rosa por causa de sua
obra caracterizada por múltiplas facetas, a qual agora revela um


“afinado haicaísta” (ROSA, 1998), em Sinos de papel, o poeta Jorge
Tufic não trata apenas das quatro estações do ano, mas também da
arte oriental, do tempo, das mulheres e de uma eloquente temática
erótica. No livro, há poemas que foram produzidos desde a década
de cinquenta, os quais representam a contribuição do autor para o
desenvolvimento da poesia nipônica em língua portuguesa, pois utiliza
diversos aspectos da arte oriental, em seu livro de haicais.
Já em 1998, quase no final da década de noventa, o poeta publica
A insônia dos grilos, livro no qual são evidenciadas as verdadeiras
qualidades de técnica e de expressão poética de um exímio poeta
brasileiro. Conforme Alencar e Silva, neste livro predomina
o estado de permanente vigília em que o Poeta se mostra mergulhado,
de modo a ampliar lhe a capacidade de captação do que
ocorre a nossa volta, como à volta do mundo, de um girassol ou
de uma estrela (ALENCAR E SILVA, 2004, p. 12).
Por este motivo, o leitor de Jorge Tufic se depara novamente
com circunstâncias do dia a dia a partir do olhar filosófico do poeta
que consegue fazer conhecer o conteúdo de sua abstração através de
técnicas que produzem uma viva sensação de deleite e admiração.
O último segmento deste livro, intitulado “Odes ao que não passa”
se constitui de dez odes nas quais o poeta se apropria do tempo
ou das situações que passam pelos seus olhos para eternizá-los em
formas poéticas. Neste livro, segundo Alencar e Silva, “há [...] a contemplação
e o discurso das coisas que não passam, desde sempre
fixadas nas retinas humanas” (2004, p. 12), como, por exemplo, a
evocação que circunda o mistério que confronta com as origens do
próprio nome do escritor e a celebração das lembranças acerca dos
bares por onde esteve e que ainda estão guardadas em sua memória.
O último livro de Jorge Tufic publicado no século XX chama-
-se Poema-coral de abelhas, lançado em 1999, o qual, ao lado de Sinos
e Papel e de A insônia dos grilos, incorpora-se ao patrimônio lírico
da literatura brasileira e rendeu ao poeta uma menção Especial da
Academia Mineira de Letras, em 2001, e o prêmio Ascenso Ferreira
de Poesia do Nordeste e o primeiro lugar em poesia no Concurso de
Literatura do Ideal Clube de Fortaleza, ambos em 2004.
No Poema-coral de abelhas, há dois sonetos autobiográficos, o primeiro

abre, o segundo fecha o livro, em cujo intervalo entre os dois
se estabelecem poemas que se constituem pela preponderância da
brevidade e da síntese, como os haicais do livro anterior. Sobre a
obra que encerra as publicações de Tufic, no século XX, Alencar e
Silva comenta:
A essa altura [...], justo é que o saudemos como um dos paladinos
da renovação aqui operada e partir dos anos cinquenta, mediante
a postulação de uma nova mentalidade e de novo modo
de ver e viver o fenômeno da criação poética (ALENCAR E SILVA,
2004, p. 14).
Talvez nisto consista a combinação do soneto com formas poéticas
mais breves no livro que marca o encerramento das publicações
de Tufic no século passado: o resumo de uma concepção poética
que começou na década de cinquenta em Manaus e se caminhou
para Fortaleza sempre alternando entre os valores da tradição e os
valores da inovação.
Já no século XXI, o poeta Jorge Tufic lança outra obra dentro
desta perspectiva de combinação de variados elementos poéticos
que se determinam nas vertentes tradicionais e inovadoras, publicando
o livro Duetos para sopro e corda, no ano de 2000. O livro consiste
em uma reunião de 27 sonetos com 27 poemas de formas livres
e contém um segmento intitulado de “Retrospectiva”, que consiste
na terceira parte do livro, na qual se encontram poemas com tendências
concretistas e de livre criatividade do autor. Estes poemas,
embora sejam inéditos, foram escritos de 1956 a 1966, período do
auge do Clube da Madrugada.
Por um lado, a crítica louva o autor e recebe esta obra sob
a ótica da pluralidade. Para o poeta Francisco Carvalho (2008),
este livro “confirma as inegáveis virtudes literárias do poeta em
sua relação com a pluralidade do universo lírico.” Por outro lado,
seus leitores compreendem o caráter duradouro e metafísico que
é incorporado aos seus poemas. Para Dimas Macedo (2017), “a
poesia de Jorge Tufic [...] aspira a um registro do transcendente e
do eterno, abrindo uma proposta nova no seio da arte literária de
hoje, que se quer assim tão racional e cerebrina” e tão atual, conforme
as observações deste autor neste breve percurso poético do
escritor de Varanda de pássaros.

Ainda que, na década de noventa, o poeta Jorge Tufic resgate
sua inclinação pela forma fixa, apresentando em um livro os haicais
como novidade em sua obra, e em outros voltando a utilizar o soneto,
alguns dos quais foram escritos ainda na década de cinquenta,
os livros do escritor publicados, entre os anos de 1990 até 2000,
atribuem um aspecto pós-modernista para a sua obra, tendo em
vista que através da linguagem poética o autor passou a questionar
o papel da família e os seus valores dentro de uma sociedade insensível.
Desta maneira, este caráter pós-modernista enriquece a obra do
poeta, atualizando-se em temas contemporâneos e contrastando-se
com a sua poética clássica da época do Clube da Madrugada.
Breves considerações finais
Através de um breve percurso poético, o autor deste trabalho
observa, com a ajuda da crítica que já leu e analisou a obra de Jorge
Tufic, que esta pode ser dividida em três fases: a primeira consiste
na fase de consolidação, que vai de 1956 a 1974, a qual é definida
inicialmente pela tradição e, depois, pela experimentação, e muito
ligada às prescrições do Clube da Madrugada que visavam à reformulação
da literatura amazonense; já a segunda compreende a década
de oitenta e é caracterizada pelo distanciamento dos extremos
tradição-experimentação, bem como das tendências vanguardistas,
e na qual o poeta apresenta intenções regionais, ufanismo e exaltação
de elementos locais; por fim, a terceira fase abrange a década de
noventa e o primeiro ano do século XXI, período em que o poeta,
apesar de estar morando Fortaleza, resgata valores concebidos e poemas
produzidos na década de cinquenta quando ainda morava no
Amazonas e traz como novidade atributos pós-modernistas.
Já são mais de sessenta anos desde o lançamento de Varanda de
pássaros, mais de quatorze livros de poemas publicados, dentre os
quais onze foram enumerados neste trabalho, o que já rendeu ao
poeta Jorge Tufic inúmeros prêmios, homenagens, elogios e louvores
da crítica e, principalmente, o reconhecimento em nível mundial.
Ora, o poeta tem seu nome inserido em diversas antologias,
como A Nova Poesia Brasileira, organizada em Portugal por Alberto
da Costa e Silva, e A novíssima Poesia Brasileira, de Walmir Ayala. Por
isso, não se pretende, aqui, tomar nenhuma conclusão que não seja

passível de acréscimos, pois os livros analisados consistem em ape
nas uma parte da obra do escritor, que engloba também uma série
de contos, crônicas, novelas e ensaios publicados. Por esta razão,
a divisão aqui realizada tem finalidades didáticas apenas, uma vez
que a essência da obra tuficquiana consiste na multiplicidade, pois
o poeta é versátil e, deste modo, compõe uma obra-prima que se
transforma a todo momento em conteúdo, forma e estética, como
ficou bem evidente em todas as etapas. Além disso, o poeta ainda
está vivo e atualmente vive próximo da literatura cearense que está
altamente em movimento. Por causa disso, a única conclusão que o
autor deste texto chegou é que ao estudar a poesia de Tufic é importante
considerar a obra como um percurso aberto ou um caminho
por onde ainda se peregrina.
Referências
ALENCAR E SILVA, Joaquim de. Jorge Tufic: as tendas do caminho. Fortaleza, CE:
Coleção de Textos da Madrugada. Vol.3. 50p.
CARVALHO, Francisco. “Livros, plaquetes e tabloides publicados”. In. TUFIC, Jorge.
Curriculum vitae. 2008. [Entrevista e pesquisa de Rafael Alauzo Santo Nicola].
Disponível em: http://jorgetufic.blogspot.com.br/. Acesso em: 17 abr. 2017.
JOSÉ LINDOSO (Amazonas). Secretaria de Cultura de Amazonas [Org.]. Trecho
do discurso do governador José Lindoso. Disponível em: http://bv.cultura.am.gov.
br/?m=discurso-hino. Acesso em: 13 abr. 2017.
MACEDO, Dimas. Duetos para sopro e corda: descrição. 2017. Disponível em:
http://www.premiuseditora.ind.br/index.php?route=product/product&product_
id=154. Acesso em: 24 abr. 2017.
NICOLA, Rafael Alauzo Santo. “Livros, plaquetes e tabloides publicados”. In. TUFIC,
Jorge. Curriculum vitae. 2008. [Entrevista e pesquisa de Rafael Alauzo Santo
Nicola]. Disponível em: http://jorgetufic.blogspot.com.br/. Acesso em: 17 abr.
2017.
NUNES, Benedito. “Apresentação à primeira edição”. In: TUFIC, Jorge. Varanda de
pássaros. Organização: Tenório Telles. 4ª edição. Manaus: Editora Valer/Governo
do Estado do Amazonas/Edua/UniNorte, 2005, p. 59-64.
PÉRES, Jeferson. In: TUFIC, Jorge. Chão sem mácula. Manaus: Edições Madrugada,
1997.
PINHEIRO, Nonato. Clube da Madrugada. Disponível em: https://www.
facebook.com/1741769229380105/photos/a.1741828196040875.1073741828.17
41769229380105/1779990692224625/?type=3&theater Acesso em: 5 de abril de
2017.
PINTO, Zemaria. Ensaios ligeiros. Manaus: Governo do Estado do Amazonas – Secretaria

de Estado e Cultura, 2014
ROSA, Marco Antônio. [Comentário na quarta capa do livro]. In: TUFIC, Jorge.
Sinos de papel: haikais. Fortaleza, 1998.
RUAS, Luiz. [Apresentação do livro Faturação do ócio]. In: TUFIC, Jorge. Faturação
do ócio. Manaus: Edições Fundação Cultural do Amazonas, 1974. (Coleção Pindorama.
Temas de Literatura Brasileira, 5), p. 15-18.
SAMUEL, Rogel. Fios de luz, aromas vivos: leitura de “Retrato de Mãe”, de Jorge
Tufic. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2012.
SANTIAGO, Socorro. “Um poeta da geração da madrugada”. In: TUFIC, Jorge.
Poesia reunida. Manaus: Puxirum, 1987.
SOUZA, Márcio. Os mitos da criação e outros poemas. In: TUFIC, Jorge. Varanda
de pássaros. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
TUFIC, Jorge. Faturação do ócio. Manaus: Edições Fundação Cultural do Amazonas,

1974.

terça-feira, 15 de maio de 2018

O SUBSOLO

O SUBSOLO

O SUBSOLO


Jorge Tufic
.
Legiões de minúsculos roedores
descobrem meus poemas.
Cevam-se deles.
Uma colônia de tropos
um arsenal de elegias
um supermercado de haicais,
dividem agora os cupins
em várias e desconexas
correntes de solidão.
.
Nenhum manuscrito foi poupado.
Nos restantes da broca
o desenho da fome,
as marcas do escuro,
a doce fúria branca.
Tinta, mofo, papel, palavras
espaço mecânico,
abismos pensados,
metáforas roucas,
danaram-se então para longe,
sob o terror organizado
que liberta os signos cativos.

(Poema-coral das abelhas, 1999)

terça-feira, 8 de maio de 2018

Panegírico ao acadêmico Jorge Tuffic Alaúzo

Panegírico ao acadêmico Jorge Tuffic Alaúzo


 Luísa Galvão Lessa Karlberg

Cadeira nº 18 da AAL
Jorge Tufic Alaúzo era natural de Sena Madureira/AC, onde nasceu no dia 13 de agosto de 1930. Descendente de uma família de comerciantes árabes, seu pai desenvolveu atividades comerciais nos seringais da região amazônica. Com o declínio da produção de borracha, a família transferiu-se, no início da década de 40, para Manaus, onde Tufic realizou seus primeiros estudos. Exerceu, durante boa parte de sua vida, a atividade de jornalista. Em 1976 foi agraciado com o diploma “O poeta do ano”, prêmio concedido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas, em reconhecimento à sua vasta e intensa atividade literária. Tem seu nome inserido em várias antologias, entre as quais se destacam “A Nova Poesia Brasileira”, organizada em Portugal por Alberto da Costa e Silva, e “A novíssima Poesia Brasileira”, que Walmir Ayala lançou na Livraria São José, no Rio de Janeiro, em 1965.
Foi sócio-fundador da Academia Internacional Pré-Andina de Letras, com sede em Tabatinga, no estado do Amazonas. Fez várias conferências literárias e foi membro efetivo de algumas entidades culturais, tais como: Clube da Madrugada, Academia Amazonense de Letras, União Brasileira de Escritores (Seção do Amazonas), Academia Acreana de Letras (AAL) e Conselho Estadual de Cultura.
Pertenceu à equipe da página artística do Clube da Madrugada, “O Jornal” e do “Jornal da Cultura”, da Fundação Cultura do Amazonas. Colaborou em vários órgãos de imprensa, com especialidade no Suplemento Literário de Minas Gerais. Jorge Tufic é o autor da letra do Hino do Amazonas, contemplado que foi com o primeiro lugar em concurso nacional promovido pelo governador José Lindoso, em 1980.
Por sua longa vivência no Amazonas, é, por isso, considerado um dos poetas mais expressivos da moderna literatura amazonense. Sua estréia literária aconteceu em 1956, com a publicação de Varanda de pássaros. Tufic foi um dos fundadores do Clube da Madrugada, em 1954, um dos mais importantes movimentos literários do Amazonas, “que objetivava a inserção do discurso artístico e do fazer literário amazonense no cenário do Modernismo brasileiro”.
Com o seu falecimento, Jorge Tufic deixa vacante a Cadeira nº 18 da Academia Acreana de Letras, cujo patrono é Couto de Magalhães e, também, da Academia Amazonense de Letras (desde 1969), onde também ocupava a cadeira número 18, do patrono Jonas da Silva.
No Amazonas, ele integrava a União Brasileira de Escritores e o Conselho Estadual de Cultura, tendo sido também “fundador da Fundação de Cultura do Amazonas, que, mais tarde, daria origem à Secretaria Estadual da Cultura”. O Sindicato dos Jornalistas do Amazonas, em 1976, o homenageou com o prêmio “Poeta do Ano”, dado a importância de sua produtividade literária.
Jorge Tufic é autor da letra do Hino do Amazonas, cuja música é de Cláudio Santoro, ao alcançar o primeiro lugar, em concurso nacional, promovido pelo então governador José Lindoso, no ano de 1980. Com a chegada da aposentadoria, afastou-se do funcionalismo público. A partir do início da década de 1990, fixou-se em Fortaleza, dedicando-se exclusivamente à literatura. Jorge Tufic faleceu em São Paulo-SP, quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018, acometido por um câncer no pulmão.
OBRAS
POESIA: Varanda de pássaros, 1956; Pequena antologia madrugada, 1958; Chão sem mácula, 1966; Faturação do ócio, 1974; Cordelim de alfarrábios, 1979; Os Mitos da criação e outros poemas, 1980; Sagapanema, 1981; Oficina de textos, 1982;Poesia reunida, 1987;
Retrato de mãe, 1995; Boléka, a onça invisível do universo, 1995; Os quatro elementos, 1996; A insônia dos grilos, 1998; Sinos de papel, 1998; Quando as noites voavam, 1999;
SONETO: Jorge Tufic, 2000; Dueto para sopro e corda, 2000; Poema-Coral das Abelhas, 2003; Cordelim de Alfarrábios II, 2003.
CONTO: O outro lado do rio das lágrimas, 1976; Os filhos do terremoto, 1976.
ENSAIO: Américo Antony – O Guru da Amazônia, 1978; Os códigos abertos fragmentos), 1978; Existe uma literatura amazonense, 1982; Roteiro da literatura amazonense, 1983; Literatura Amazonense: uma proposta de linguagem, 1986; Curso
CRÔNICA: Tio José, 1976.
MEMÓRIA: A Casa do tempo, 1987
ROMANCE: Um Hóspede Chamado Hansen, 2009
ESTILO ACADÊMICO: Tenório Telles, Editora Valer, ao fazer a apresentação de Varandas de Pássaros”, diz o seguinte: “O discurso poético de Jorge Tufic se desenrola no curso dessas duas margens: de um lado, a margem reflexiva, identificado com a dimensão transcendental da existência, marcada por forte conteúdo existencial. A outra margem do discurso poético de Tufic se fundamenta nas preocupações formais e no caráter experimental de seu processo de criação. Sua produção literária é evidência de sua identificação com o universo, no esforço em criar uma obra identificada com os mitos, anseios e esperanças do homem da Amazônia”. (Tenório Telles, apresentação in Varanda de Pássaros (Valer, 2005)”. Tufic se dedicou à arte de escrever poemas de forma visceral, essencial. Foi o poeta que buscou, com paixão consciente, o caminho que leva à inefável palavra-luz da verdadeira poesia. Autor de poesia fulcral, sendo ao mesmo tempo palavra que se transpira à vista do leitor-criador, que tem a felicidade de se encontrar com a sua leitura, usufruindo desse manancial de sugestões de altíssimo teor poético e humano.
HOMENAGEM DOS PARES DA ACADEMIA ACREANA DE LETRAS: Suba, Jorge Tufic, faça poesia com os anjos, ao lado de Deus Pai, e escreva para nós, no meio das nuvens do céu azul-anil da Amazônia, a Saudade que habita em cada um de nós. A Presidente da AAL declara vacante a cadeira nº 18.
UM POEMA DE JORGE TUFIC:
Uma folha desce
Uma folha desce
tão bela, em minha janela.
O dia escurece.

* Luísa Galvão Lessa Karlberg é presidente da Academia Acreana de Letras – AAL.


Conteúdo e visão geral da poesia de Américo Antony

Conteúdo e visão geral da poesia de Américo Antony

Conteúdo e visão geral da poesia de Américo Antony

Jorge Tufic



“Cromos Amazônicos” é o mais denso, talvez, de todos os livros inéditos de Américo Antony, somente comparável ao seu irmão mais próximo intitulado “Crisóis”, seguido de perto pelo “Grinaldas Selvagens”, “Canções Perdidas e outras dispersas” “A Alma do Silêncio”, entre vários ainda não classificados para uma titulagem definitiva.

Polariza este livro o já nosso familiar acento melancólico do poeta que se busca encontrar, após anos de ausência, com o berço nativo de seus legítimos antepassados e uma profunda nostalgia, possivelmente cósmica, diante de um mundo lacerado pelos equívocos da História.

Confirma-se, no entanto, que ninguém soube, como ele, Américo Antony, desvendar as queixas do verde, os mínimos segredos telúricos da selva desconhecida, ainda hoje, por quantos se aventuram no empenho de conquistá-la. A metáfora do poeta, contudo, transcendentaliza-se, mas nunca se hermetiza. Ou quando se hermetiza, ainda mais clara se torna. Pode-se até dizer que o seu vocabulário afetivo se concentra, quase sempre, em torno de núcleos temáticos na aparência repetitivos; mas isto é ilusório: seu estilo e sua linguagem emanam da simplicidade que rejeita o supérfluo, colando-se deste modo singular ao fluxo natural de sua dicção predileta.

Américo Antony, embora dono de vasto léxico regionalista, não refoge à tradição poética: cita os deuses das mitologias grega e romana, em sinal mais que evidente de que os tempos primeiros de Jurupari cederam, ou cedem, às pressões externas; e que o futuro já deverá ser pensado como um novo sol que está vindo em contrapartida daquele que nos fugira.

A obra inédita de Américo Antony é bastante volumosa, perfazendo um total de 600 ou mais poemas, devidamente selecionada, ou seja, dando-se por temporariamente “excluído” um volume de páginas ainda não classificadas e tituladas, com inúmeros sonetos d’occasion, mais o “Dardos de Fogo” e a confusa miscelânea de poemas e sonetos a que o poeta não chegara a dar os devidos títulos de sátiras e epigramas, uma espécie de variante que discrepa sobremodo da verdadeira saga poética do autor.

Poeta solitário, contando apenas com poucos amigos, dentre eles alguns jovens que seriam, anos depois, fundadores do Clube da Madrugada, Américo Antony, talvez por este motivo, tudo fazia para conservar seus escritos marcados pela gratidão do artista aos raros, porém fiéis, admiradores que em nenhum momento de sua vida deixaram de acompanhá-lo, rendendo-lhe os merecidos tributos.

Daí nossa alegria em descobrir, já desbotados pelo bolor das intempéries, velhos papéis manuscritos pelo mestre; num destes, ainda intacto, uma epígrafe de Alencar e Silva retirada de um artigo sob o título “Clarões da Selva”, com data de março de 1953, no qual o poeta de “Território Noturno” fala sobre a poesia de Américo; e, como parte do livro “Canções Dispersas”, emerge um soneto dedicado a Jorge Tufic, a quem caberia, em 1987, como presidente do Conselho Estadual de Cultura, a iniciativa de publicar seu longo poema amazônico “Conory”.

Prosseguindo na reunião da obra dispersa do famoso “Ermitão da rua Japurá” daí resultara a formação de mais dois tomos da obra antonyana, além das já referidas “Cromos Amazônicos”, “Crisóis” e “Grinaldas Selvagens”. São eles: “Alma do silêncio”, “Dardos de fogo” e a confusa miscelânea de poemas e sonetos a que o poeta não chegara a dar os devidos títulos gerais.

Em “A alma do silêncio”, o poeta como que apura e intensifica a sua ojeriza pelo terrorismo sociopático da urbe moderna ou modernosa; contrapõe-se a ela assumindo uma atitude de suprema indiferença aos valores mundanos em favor do eu espiritual que só se revela ao contato dos elementos primários, como a água e a pedra das cachoeiras, a flor e o cântico soturno das aves nascidas da luz e do mistério que alimenta as raízes do sonho. O mundo do poeta já não é mais o mesmo. Torna-se incompreendido.

Em “Crisóis”, tanto quanto nos “Cromos Amazônicos”, o poeta sente-se à vontade em dar expansão ao estro temático que o liga às nascentes perpétuas do amor telúrico e da fábula racionalista. Mais neste, porém, do que naquele, o vate amazônico “pensa” tanto quanto se inclina e se rende aos encantos da natureza.

Em “Grinaldas Selvagens”, com surpreendentes “aquarelas” como este soneto que ele intitula “O sorriso da montanha”, o símbolo da flor já contrasta com os primeiros movimentos articulados à destruição das florestas. Sintomático o uso do plural quando a floresta, a biota, é una pelo simples fato de constituir-se um todo, mas que, obviamente, formado por segmentos, ou seguimentos orgânicos, partes, enfim, da totalidade, sem cujas partes nada representa. Daí, florestas. Saber, sabença, conhecimento lúcido de pajé. O soneto deste livro sob o título “Contra a destruição da floresta” é um grito, como há outros no texto, cuja mensagem atualiza, pari passu, qualquer oportuníssima vontade para rever e para reler Américo Antony à luz das estrofes que se fizeram (e ainda se fazem) nas várias moradas de Jurupari.

Enfim, tudo neste opus corre por conta de uma incurável paixão pelos motivos da mata amazônica, de um, quem sabe, enigmático deslumbramento estético pelo todo que se junta às partes e das partes que celebram a totalidade inexaurível do próprio mito.

A primeira incursão pela obra de Américo Antony se dera por iniciativa do Conselho Estadual de Cultura, com base na Resolução s/n, DE 1975, que resultara neste ensaio de Jorge Tufic – “Américo Antony – O último cisne” (aqui reproduzido sob o título de “Conteúdo e visão geral da poesia de Américo Antony” – publicado na edição n.º 04, ano I, em julho de 1978, do LIVRORNAL (o livro em jornal).

Fazer o inventário e levantamento do acervo, quer inédito ou édito deste grande poeta amazônico, seria essa, com certeza, a preocupação do colegiado, por mais árduo e tardio que fosse o resgate de mais de 600 manuscritos de sonetos e poemas aleatoriamente reunidos em caixas de papelão, pastas e cadernos deixados por ele.

A inclusão do estudo feito por mim, espécie também de relatório apresentado ao Conselho Estadual de Cultura, tem, portanto, a finalidade maior, 1.º de informar sobre as dificuldades encontradas no decurso da pesquisa destes valiosos documentos, e 2.º acolher o referido trabalho que tem forma mais de relatório da comissão designada pelo CEC, do que propriamente de ensaio crítico sobre a poesia de Américo Antony.