terça-feira, 12 de novembro de 2019

Que será de ti, Amazônia ?

QUE SERÁ DE TI, AMAZÔNIA ?



QUE SERÁ DE TI, AMAZÔNIA ?


JorgeTufic





Que será de ti, Amazônia,
enquanto o homem que te desfruta
considerar-te perene, imortal
como se imagina um duende ?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto se pensa no teu destino
sem nunca separar-te dos interesses
daquele que te golpeia,
te reduz e te maltrata ?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto se teima em desconhecer
que teu reino se acaba
onde a tua imensa vegetação termina ?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto os cegos herdeiros
do Lêmure implacável,
buscam fórmulas vazias
para explorar-te racionalmente,
quando se sabe que os fins econômicos
já são, por si mesmos,
irracionais ?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto não forem avaliadas tuas perdas
e teu desgaste
em quatrocentos anos de falsa
prosperidade para o homem;
e de lenta ,
lentíssima agonia
para os sonhos e as riquezas
que te habitam ?



Que será de ti, Amazônia,
enquanto o índio que te protege
e guarda os teus mistérios,
continuar sendo reduzido
e transformado em caboclo ?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto o revolvimento de teu solo,
à cata de minérios,
envenenar os teus rios ;
e as toras de madeira submersas
desabarem sobre ti
numa queda insalubre e frenética
de chuvas ácidas ?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto o desmatamento e as queimadas
transferem para os teus ares o sezão
dos pântanos
e a temperatura dos infernos ?


Que será de ti, Amazônia,
quando tuas lendas não tiverem mais
onde pousar; e a doce flauta
do uirapuru
quebrar-se numa profunda elegia
sobre os rios que minguam
e os areais que avançam ?


Que será de ti, Amazônia,
última página do Gênesis,
quando os seres que fazem a tua escrita
enigmática,
mergulharem na usura
que te rebaixa
aos olhos do mundo ?



Que será de ti, Amazônia,
se continuas espoliada e sujeita
ao voto
que elege os teus algozes ?


Que será de ti, Amazônia,
cujo tamanho incomoda pela ausência
de amor,
e cuja perda nem mesmo um rio
de lágrimas
há-de chorar-te com justiça ?


Que será de ti, Amazônia,
navegável piscosa hidra mesopotâmica
resistência dos fracos
buzina dos ermos
igaçaba de fogos-fátuos
agora que teus peixes,
de há muito impedidos de crescer
e desovar corretamente
já não saciam a fome dos que
nada fizeram
para ver o futuro ?


Que será de ti, Amazônia,
grandeza física que,
no entanto,
pode caber dentro de um ninho qualquer,
desde que ele tenha a leveza
de tuas palhas
e a úmida ternura
dos ventos que te embalam ?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto as crianças do globo
não souberem te amar em plenitude,
ou seja,
do bicho mais rasteiro
às frondes mais altas de teus bosques
e teus igapós ?
Que será de ti, Amazônia,
se as fronteiras que te abraçam
numa ciranda geográfica de isolamento
e fraternidade,
não aprenderem também a sentir
o pulsar de teus mares sepultos
e a beber, em tuas águas,
a música das sombras ?


Que será de ti, Amazônia,
paraíso da natividade cósmica
porto de lenha
sertão de especiarias
inferno verde
berço do progresso
refúgio de degredados


sorvedouro de talentos
remate dos vencedores,
quando és, praticamente,
a última baliza do verde
com as terras-do-sem-fim ?


Que será de ti, Amazônia,
esfinge dos néscios
apetite dos glutões
motivo de inspiração e de escárnio
natureza morta
peixe colorido de estrelas importadas
autofagia mítica
cipoal de batalhas demiúrgicas
aleijão vegetativo
sementeira de astronaves,
agora que meia dúzia de sábios
te colocam no banco dos réus
e te julgam
em nome da ecologia ?


Que será de ti, Amazônia,
quando a própria ecologia,
no sentido global e verdadeiro,
deve partir da humanização urbana ?
Não é fácil acreditar nas palavras
de quem se declara a favor
da Natureza
se cultiva a poluição
e contribui para a miséria.


Que será de ti, Amazônia ?
Os tucanos pedem socorro.
Ao fugirem das queimadas,
eles invadem as cidades em busca
de comida. Primeiro foi o homem
das margens e terras firmes
que se evadiu para sempre.
Agora são as aves de tuas matas
que se desfazem na escuridão.


Os nichos sagrados estão em chamas.
Teu coração também se revolta
e sangra, Amazônia.
Fetos de carbono
imitam pajés enforcados
nas enviras do luar.

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

COLISÃO DE ABUTRES

COLISÃO DE ABUTRES



COLISÃO DE ABUTRES



Os problemas do mundo
são problemas do mundo.
O que tenho a ver eu
com os problemas do mundo?
Se quase não lhe pertenço
por causa de uma chuva.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

“FIOS DE LUZ: AROMAS VIVOS”: a voz da saudade

“FIOS DE LUZ: AROMAS VIVOS”: a voz da saudade

por Tânia Du Bois

            Fios de luz, aromas vivos: leitura de Retrato de Mãe, soneto de Jorge Tufic, por Rogel Samuel: “Venham os fios de luz para tecê-la, aromas vivos para senti-la, às palavras do filho descrevê-la, proferi-la” (Rogel Samuel).
            Não conheço Jorge Tufic pessoalmente, e sim através de suas obras literárias: adoro! Penso que o Poeta merece uma homenagem especial, e o escritor Rogel Samuel dá essa atenção através de reflexões literárias em 15 sonetos de Tufic.
             Samuel ressalta o caráter literário da obra com olhar sobre o poeta. Revela o poder de quem interpreta costurando palavras e dando o significado à estrutura maternal dos sonetos, e declara que “o mundo poético e o mundo da realidade colidem, possuindo cada qual a sua própria verdade”.
            Fios de luz, aromas vivos – são sonetos que Jorge Tufic, inspirado na realidade, reconhece como expressão das lembranças. Segundo Samuel, “... acaba por ser mais real do que a própria realidade.” A voz de Tufic reflete a sua própria imagem, onde faz um testemunho do Retrato de Mãe. Em jogo de palavras, proclama histórias que espelham a sua relação com a sua mãe, como se fosse ontem e vivesse o amanhã. Cria significado através do tempo e das lembranças que sinalizam a sua ausência, buscando dar sentido à sua vida. “Que restara de ti, dos teus pertences? //... Tudo posto num saco humilde e roto. / Eu quis, então, medir esse legado, / mas limites não vi para a tristeza. / Davas a sensação de que o tesouro / se enterrara contigo. //... Que eternidade / pode igualar-se à voz desta saudade?”
            Através da imagem poética, mostra o seu eu versus mãe, ao alcançar a infinitude do tempo: sua intimidade desvela os mistérios da dor da ausência. Nesse horizonte, o poeta compreende, interpreta e projeta o sentido da herança da Grande Mãe que se perde com a morte.
            Fios de luz, aromas vivos revela a parceria de mãe e filho, onde apenas o amor é o único segredo. E a memória do poeta reconstrói os bons momentos sem se perder no tempo. “Nossa infância era tudo iluminada / pelas fontes da tua juventude. //... Ainda te vejo, o porte esbelto indo / por aqueles baldios transparentes / onde a luz, de tão verde, pincelando / os ermos...”
            Mesmo com a saudade presente, Jorge Tufic, em seus sonetos, volta ao seio materno para registrar a importância e a resistência da lembrança (viva) em sua vida. Ao escrever Retrato de Mãe, não teve medo de mostrar a outra face, o lado filho.
            O encontro entre lembranças e saudades, filho e mãe, deu a oportunidade ao escritor Rogel Samuel de fazer a análise detalhada da obra, mostrando o Poeta Jorge Tufic com o dom do mistério menor e mais emoção, revelando, mais uma vez, o seu talento literário.