sábado, 21 de novembro de 2015

FICÇÒES DO CICLO DA BORRACHA NO AMAZONAS





Lucilene Gomes Lima


FICÇÒES DO CICLO DA BORRACHA NO AMAZONAS
Estudo comparativo dos romances A selva, Beiradão e O amante das amazonas

http://ociclodaborracha.blogspot.com.br/

O ficcionista e ensaísta Jorge Tufic, ao fazer um levantamento da produção ficcional sobre o “ciclo da borracha”, declara que A selva e La voragine, obra do romancista José Eustásio Rivera, encerrariam essa produção e destaca que as obras do ciclo não atingiram “um vago contorno geral da realidade em causa”.[151] Há, na avaliação do autor primeiramente, uma falha ao não considerar um veio de produção que continuou aberto para a temática do ciclo e, em segundo lugar, um juízo precoce sobre o grau de aprofundamento das obras.

            Ao destacarmos A selva como um romance que, seguindo a linha da abordagem histórica do ciclo, propicia uma compreensão abrangente do tema, não desconsideramos que em outros romances, como, por exemplo, Coronel de barranco, ocorra também uma construção ficcional contundente. O tratamento dado à obra em relação ao ciclo recebe o mesmo detalhamento didático de A selva. A selva e  Coronel de barranco são, por isso, dois romances em que a realidade em causa – “o ciclo da borracha” – é tratada com aprofundamento. Entretanto, a obra de Ferreira de Castro apresenta um diferencial em relação à de Araújo Lima que nos levou a elegê-la como recorte para esse estudo. Seu protagonista é partícipe e analista no mundo do seringal, enquanto Matias, de Coronel de barranco, é basicamente analista. O fato de ser Alberto um protagonista que vive as próprias situações que analisa confere densidade à narrativa através do embate que se cria entre sua consciência e o sistema com o qual se depara.

Tufic também observa que o romance La voragine diverge de A selva por possuir um caráter de libelo ou revolta enquanto o último somente relataria os dramas vividos no seringal. Embora não possa se assemelhar a um libelo, a abordagem do romance A selva denuncia a extorsão e a escravidão num seringal amazônico e seu desfecho propõe uma destruição desse sistema injusto, determinando também um sentido de revolta. Revolta que não é arquitetada nem praticada por seringueiros indignados. O fato de essa revolta ser praticada por uma personagem negra demonstra que a visão de mundo do autor, expressa pelas suas palavras de que em seu espírito sobrepõe-se “[...]‘uma causa mais forte, uma razão maior: a da humanidade’ ”[152], não tem como objetivo pôr em evidência apenas uma forma de injustiça. O negro Tiago, despojo de outro processo de espoliação é, por isso, o escolhido para pôr fim ao local que representa a injustiça (o barracão) e o elemento humano que a executa (o seringalista). Suas palavras de justificativa do ato que pratica surtem o efeito de uma sentença: “O homem é livre.”[153] A destruição não é eficiente, uma vez que o seringalista é apenas um elo, e inclusive o não mais poderoso, da grande cadeia de espoliação montada em vista da extração do látex, mas é a destruição que o romancista elege como possível no contexto em que se desenvolve o romance.
            Apesar de possuir características em consonância com o romance neo-realista português o qual recebe influência da ficção sócio-realista brasileira dos anos 30[154], A selva apresenta os pontos básicos do que Alfredo Bosi considera um romance de tensão crítica em oposição a um romance de tensão mínima, mais em acorde com a prosa neo-realista. Segundo o autor, o romance de tensão crítica alcança “uma verdade histórica muito mais profunda”, não se restringindo apenas a enfocar a cor local ou datar os fatos.[155]
            É, pois, A selva um romance que não se limita à perspectiva de enfocar fatos isolados característicos do ciclo e que procura concentrá-los e organizá-los sistematizando-os. Abrangendo tanto o centro quanto a margem, a narrativa demonstra o nexo causal entre eles. Não aleatoriamente, Alberto vive antes a experiência do centro e depois a da margem. Quando vem a se instalar na margem, já não é mais possível considerá-la sem a outra experiência. A manipulação do contas-correntes do seringal o põe a par de uma verdade que suspeitara ao receber a nota de seu aviamento e compará-la com a dos outros seringueiros no tempo em que ainda era um brabo como eles. As faturas lançadas evidenciam que os débitos dos seringueiros e o conseqüente crédito para Juca Tristão resultam de uma cobrança extorsiva do preço da mercadoria aviada e de um pagamento ínfimo pela produção da borracha, depois vendida a um alto preço. Paralelamente, toma conhecimento de que o trabalho não pago dos seringueiros proporciona as altas despesas do seringalista.

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