A
paisagem do instante na poesia de Jorge Tufic
O livro Dueto para
sopro e corda (Edições do autor, Fortaleza, 2000) do poeta Jorge Tufic, acreano
de origem árabe e atualmente radicado no Ceará, para além de qualquer
maniqueísmo reduzicionista, se apresenta como uma feliz síntese entre o tempo e
o espaço numa nítida celebração ao fugaz, ao inapreensível, em consonância com
aquilo que Drummond dizia ao antológico poema “Memória”: Mas as coisas
findas/muito mais que lindas/essas ficarão.
A obra
constituída em três partes, denominadas de: sonetos, poemas e retrospectiva,
vai desde adoção do soneto, demonstrando uma excelente domínio das formas fixas
e das rimas quer sejam perfeitas toantes ou mesmo versos brancos, até um certo
experimentalismo vanguardista, meio que pós-concreto e de um tom aproximado da
poesia visual.
Todavia,
a tensão, digamos que fulcral do livro, e acionada entre os lócus, eleito e
evocado pelo escritor, constituído de miudezas de brevidades, no qual
acendra-se o olhar na descoberta do óbvio, para usar uma acepção cara a Darci
Ribeiro, em cujo corpo a sutileza e rompe aferindo o caráter literário,
epifânico.Como uma “frágil manhã que os pássaros celebram/e só dura o instante
de uma estrela”.No qual a imagem preside a competência de fazer poético, em
contraposição a um cronos curvado à desesperada perspectiva de finitude a qual,
faz-nos ainda mais precários, de modo que a poesia funciona com a cristalização
do efêmero, para, por conseguinte, tornamo-nos eternos, ainda que no mínimo
espaço interacional da leitura. Sangrando-o mesmo no cerne de sua graça, como
nestes versos: “Que somos nós? Tutores desses ventos/breve fulgor, insólito
perfume./ Celebrar esse instante era
costume/ sob as copas de bosques sumarentos (...)”
O
próprio título do livro, a nosso ver, já emblematiza essa conjugação entre o
infinito e o fugaz. O sopro, remete à vida, a fábula judaico-cristã da criação
diz que a vida surgiu do fôlego, a partir do qual o homem formou-se em espírito
vivificante. Já o ponteado das cordas, bem propício às ambiências
transitoriamente boêmias, ainda segundo nossa percepção de todo impressionista,
referencializa o finito, a taça esvaziada na madrugada, a noite refém dos dias.
E é, justamente, o milagre da poesia, transmudada em música, que instaura a
trapaça a estas sentenças. De maneira que podíamos ainda estabelecer com o
signo ‘corda’ um relação de leitura da intertextualidade instaurada na obra. O
autor como que evoca várias vozes de autores diversos, para, dialogicamente
construir sua ária de resistência e celebração e também orbita no terreno da
transterritorialidade da arte, assimilando da pintura, da música, e de outros
espaços de manifestação artística, referências que visam engrandecer seu texto
lírico. Isto fica evidente, também, nos paratextos, epígrafes, dedicatórias e
evocações mesmo como nos poemas: “Soneto a Ricardo Reis”. “Sonetos para duas
barrocolagens de Afonso Ávila”, “Soneto-Introdução à grande natureza morta
metafísica, de Giorgio Morandi”, “Soneto para Marcel Proust”, etc.
Na
poesia de Jorge Tufic o “perene” é obtido pela própria provisoriedade dos
eventos: “Porque te abres apenas rubra messe,/frágil manhã que os pássaros
celebram,/e só duras o instante de uma estrela.” No primeiro terceto do texto
“Soneto para um velho telhado”, se flagram, novamente, o “palco” e o “pouco”
abrigados na sensualidade da palavra, advinda da cúmplice sinfonia entre a
paisagem e o tempo: “Enquanto ossadas limpam-se da mesa,/ secam lá fora os
grilos da incerteza/ telhados ardem na paisagem suja”.
A
última parte do livro, intitulada de “retrospectiva” é arregimentada nas
possibilidades estéticas do concretismo e de algumas incursões vanguardistas
experimentais e sedimentado, sobretudo naquela perspectiva minimalista herdada
do primeiro modernismo brasileiro que teve como principal representante o poeta
Oswald de Andrade, donde abundam o coloquialismo, o poema piada. Aqui no poema
“Menino Grande” temos grande semelhança com também outro modernista o
pernambucano Ascenso Ferreira, senão vejamos: “- Eu quero uma varanda/ uma
rede/ um sabiá/ - E o que mais?/ deixa eu pensar.”
Entretanto,
a primeira parte pareceu-nos mais vigorosa, o poeta se mostrou muito mais
senhor de seu ofício, muito mais à vontade para até ser subverter e inovar,
ainda que dialeticamente, nos moldes da tradição do que no texto de viés,
estritamente, renovador, modernista. Ou seja, admite-se aqui como sentença
estética aquilo que disse Augusto dos Anjos: “A antítese do novo e do obsoleto/
tudo contribui para o homem ser completo”.
Astier Basílio
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