quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

HOMENAGEM NA FEIRA DE LIVROS DO SESC AMAZONAS EM OUTUBRO DE 2023

Autor da letra do Hino do Amazonas, o poeta e jornalista Jorge Tufic Alaúzo será homenageado na próxima edição da Feira de Livros do Sesc Amazonas, que será realizada em outubro de 2023. Jorge Tufic foi um dos fundadores do Clube da Madrugada, em 1954, um dos mais importantes movimentos literários do Amazonas. Natural de Sena Madureira, no Acre, Jorge Tufic era membro da Academia Amazonense de Letras (desde 1969), onde ocupava a cadeira número 18, do patrono Jonas da Silva. Fez parte igualmente da Academia Acreana de Letras. “Jorge Tufic é uma das personalidades literárias mais importantes da Amazônia, pela qualidade estética de sua obra e a riqueza temática de sua produção criativa. Como poeta foi um espírito inquieto e um renovador da arte do verso, ao mesmo tempo em que buscou um diálogo com a realidade e ancestralidade amazônica. Sua literatura é fundamental na construção identitária regional e nos ajuda a compreender o nosso processo cultural. Mais que uma homenagem, o Sesc presta um tributo e um reconhecimento pela vida e obra desse artista da palavra, que é um dos fundadores do Clube da Madrugada”, explica o curador da Feira de Livros, Tenório Telles. A Feira de Livros do Sesc Amazonas reúne as principais editoras e livrarias da região, promove encontro de leitores com autores regionais e nacionais, conta com uma extensa programação multicultural, além de palestras, oficinas, mesas temáticas e o tradicional Café Literário, onde são realizados debates, lançamentos de livros e sessão de autógrafos. Neste ano, em sua 37ª edição, a feira contabilizou mais de 60 horas de programação cultural e literária gratuita para o público amazonense. Em parceria inédita com grandes empresas como Tik Tok e Leiturinha, a Feira de Livros contou com um público de mais de 50 mil pessoas em cinco dias de evento. “Nossas atividades de fomento à leitura e acesso à literatura são programadas de forma dinâmica, lúdica, visando tornar atrativo o imaginário literário e aguçar a curiosidade do público. Neste ano de 2022, tivemos um público recorde de alunos em contato com o universo da literatura. Foram mais de 80 caravanas escolares das redes privada e pública de ensino”, explica o Gerente de Programas Culturais e Educacionais do Sesc Amazonas, César Marinho. Ele adianta que para 2023 serão montados diversos espaços temáticos disponíveis ao público de forma gratuita, como o retorno do Planetário Móvel do Sesc Ciências e atividades de robótica educacional. Homenageado Considerado um dos poetas mais expressivos da moderna literatura amazonense, Jorge Tufic teve sua estreia literária em 1956, com a publicação de “Varanda de Pássaros”. Após isso, escreveu mais de 30 obras, envolvendo crônicas, romances, poesia, conto, entre outras produções literárias. É autor da letra do Hino do Amazonas, cuja música é do maestro Claudio Santoro, vencendo em primeiro lugar o concurso nacional promovido pelo então governador José Lindoso, no ano de 1980. Jorge Tufic faleceu em 2018, em São Paulo. Sua jornada como escritor é uma das mais profícuas da literatura do Amazonas, pela qualidade e diversidade temática. Compartilhe: FacebookTwitterEmailWhatsApp

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Sítios da infância, cálidas pitangas

 Sítios da infância, cálidas pitangas

avermelham no cio das cadelas.
Meninos e meninas no barreiro
e a vergonha desaba das janelas.
Bancos de praça rubros amanhecem,
saltam cabaços vivos em memória
de quem chega mas parte; e logo os ventres
a seu tempo confirmam cada estória.
Sobem depois as águas das enchentes,
latifúndios rastejam sob a lama,
montarias a esmo invadem ruas.
As chuvas lavam com rigor tamanho
que após ter o dilúvio sossegado
ficamos limpos, todos, do pecado.

sábado, 18 de junho de 2022

Penso em vós, jubilosas testemunhas

 Penso em vós, jubilosas testemunhas

dessa infância ondulada pelo sono.
Passarinhos azuis e a mira exata
da usura e da vileza por seu dono.
Penso  em vós, correntezas abrigando
um sol de barro líquido: a canoa
junto aos funis que, logo, repentinos,
sugam qualquer gigante pela proa.
Penso no meu lendário de alfazemas,
nas chuvas com seus peixes luminosos,
nas contas de meu pai, nos meus sapatos
a caminho de um circo imaginário.
Tudo se gruda aos ossos deste empenho
de esquecer o que sou e donde venho.

sexta-feira, 3 de junho de 2022

ALENCAR E SILVA

 

UMA SIMPLES APRESENTAÇÃO

    UMA SIMPLES APRESENTAÇÃO
   
     Escrever sobre o poeta Alencar e Silva, sobretudo quando o tema recai nos sonetos reunidos neste volume, somatório de uma vida inteira dedicada à poesia, antes de ser uma tarefa que nos empolga, é um dever que nos desarma diante de tantas facetas de sua vida e de seus múltiplos recursos de escritor preocupado em fixar pormenores da história cultural da geração madrugada, de cujos primórdios datam as primeiras estrofes de sua pena versátil.
     Ainda jovem, em Manaus, escrevia e publicava sonetos, poemas, artigos e crônicas nos matutinos e vespertinos de maior circulação, inclusive na revista de Anísio Mello, ¨Amazonas Ilustrado¨, de 1952, ano este que marca sua estréia na poesia, com o livro ¨Painéis¨. Em 1951 participou de uma caravana de poetas que demandara o sul, sudeste e extremo-sul do País, com paradas obrigatórias no Rio de Janeiro e São Paulo, estando esse grupo constituído pelos seus amigos de então e de sempre Farias de Carvalho, Antísthenes Pinto e Jorge Tufic. Numa segunda viagem dessa caravana, passaria a integrá-la o inesquecível Guimarães de Paula. Segundo historiadores, estas duas incursões dos ¨caravaneiros¨, também chamados de ¨monges¨, se inscrevem nos antecedentes do movimento madrugada, surgido em 1954, ou seja, um ano após seu retorno definitivo a Manaus, em cuja praça do Pina deu-se o encontro da geração que tomaria seu nome: a ¨geração madrugada¨.
     Um raro depoimento sobre Alencar e Silva é de Arimathéa Cavalcante, completamente avesso a qualquer manifestação desse tipo. Segundo esse mestre, também poeta e dos bons, ¨ALENCAR E SILVA é um Midas admirável. Moderno. Tem o Dom mágico de transformar, não no ouro que não tem importância para ele, mas em poesia tudo aquilo que toca. Respira poesia, e é dela que o mundo de hoje mais precisa, porque sendo mescla de prazer e dor, é sobretudo natureza, amor, vida, é Deus que vem para dar um novo alento ao mundo em rotação¨(¨Território Noturno¨, Coleção Madrugada, 2003). Para Max Carphentier, no prefácio de ¨Noturno Após o Mar¨, livro de crônicas e poemas em prosa do autor deste livro, ¨Alencar e Silva pertence a essa corporação restrita de reveladores-salvadores do divino-humano, dos que, esperançosamente sós, se fortaleceram e se consumaram, e se aceitaram majestosamente tristes, sabiamente sombrios, numa estratégia apostolar milimetrada, para poderem preparar, a partir mesmo do cerco das sombras, a hora da alegria.¨
      Acha-se também, e com justiça, incluído na antologia de André Seffrin, ¨Roteiro da Poesia Brasileira¨- ANOS 50, Global Editora, SP, 2007, sob a direção de Edla van Steen,- parte de uma série que trata das raízes até o ano 2000, um instrumento auxiliar e da maior valia para o estudo das fases e dos processos criativos de nossa literatura. ¨Os anos 50 foram dos períodos mais férteis da poesia brasileira do século XX ¨ Tempo de grandes aventuras formais, suplementos literários, debates, performances. Fazendo coro às mudanças e inovações, Alencar e Silva foi um dos teóricos da ¨poesia de muro¨, apoiada pelo Clube da Madrugada e outras correntes estéticas que fizeram história.
     ¨Poesia Reunida¨é de 1987, com três livros, apenas, de sua laboriosa oficina, editados entre 1965 e 1986. Apresentando-a, discursa o poeta e cronista L. Ruas, de saudosa memória: ¨Gostaríamos apenas de dizer que Alencar e Silva comprova, na edição desta obra conjunta, que permanece fiel a si mesmo, o que equivale dizer que permanece fiel à sua singular vocação poética¨. E Elson Farias, no prefácio à primeira edição de ¨Lunamarga¨, não deixa por menos: ¨O livro que temos em mãos, além do timbre pessoal característico da expressão autêntica, traz as melhores qualidades da atual poética brasileira: profundidade mítica, angústia, a palavra existindo livre dos luxos supérfluos e do comum, dolorosamente sofrida e recriada no espaço vital do seu mundo.¨ A fortuna crítica tonteia pelas celebridades: José Alcides Pinto, Ramayana de Chevalier, Arthur Engrácio, Antísthenes Pinto, Genesino Braga, Guimarãs de Paula, Anísio Mello... 
 
 
 
 
      Na qualidade de homem público e braço de Governo, sobressai-se  como Diretor-Presidente da Imprensa Oficial do Estado, fazendo editar o Suplemento Literário Amazonas, que circula de novembro de 1986 a outubro de 1988. Nada disso por conta do Estado, senão através de um acordo feito junto aos assinantes do Diário Oficial, com alguns centavos a mais nas respectivas assinaturas. Foram, na verdade, vinte e quatro edições e uma distribuição nunca vista antes por toda a América do Sul. Além disso, pagavam-se as colaborações selecionadas pela Comissão Editorial e a ninguém, que eu saiba, negara-se acolhida em suas páginas abertas, quer para todos os amazonenses, quer para escritores de outros Estados brasileiros. Por falta de maiores aproximações ou tempo para isso, valeu-se o Diretor-Presidente daqueles companheiros do Clube da Madrugada que aparecem no expediente, sem, contudo, discriminar ou cercar a iniciativa de normas ou preconceitos temáticos ou lingüísticos, muito menos grupais ou pessoais. Em tão pouco tempo à frente do órgão, nem por isso deixara, também, de apor o seu visto favorável à publicação de obras importantes da literatura amazônica.
      Assis Brasil, no volume ¨A Poesia Amazonense no Século XX¨, relembra que ¨Astrid Cabral haveria de destacar o veio romântico e ¨o equilíbrio clássico¨ da poesia de Alencar e Silva, toda vazada em ¨dicção despojada e serena¨. Enfim, ¨amazonense e brasileiro por circunstâncias biográficas, podendo aplicar-se a Alencar e Silva a verdade pessoana: sua pátria é a língua portuguesa¨. E vai mais longe na pesquisa a que sabe imprimir o calor da descoberta: ¨Escrevendo desde adolescente, entre poemas e primeiros livros publicados, ativa colaboração nos jornais de Manaus, A Tarde, de Aristóphano Antony, e A Crítica, de Umberto Calderaro Filho. O jornalismo literário foi feito em O Jornal, onde o Clube da Madrugada mantinha um importante suplemento e no Jornal-Cultura, da Fundação Cultural do Amazonas, de que foi secretário e editor¨. Digressões necessárias, já que o nosso Alencar é, antes do mais ou do menos, poeta. Um poeta universal desde que nascera, e mais que universal, cósmico, já que até mesmo o ponto geográfico de seu nascimento, em Fonte Boa-AM, as enchentes cíclicas arrastaram para o oceano atlântico. 
       Mas foi o professor e crítico Arimathéa Cavalcanti, o autor que melhor estudara o poeta no livro citado linhas atrás, estudo esse o qual, pela extensão e planejamento, tem-nos encaminhado para uma compreensão global de sua obra poética. Deste modo, esclarece: ¨PUDE agora ultimar a análise, sem caráter definitivo, mas de modesta contribuição, na certeza de uma verdade insofismável: a obra enriquece espiritualmente a quem quer que a folheie. Pois o livro – Território Noturno, de Alencar e Silva, propõe amplas reflexões, eis que abrange aquelas regiões oníricas onde nem sempre mergulham escafandristas neófitos, na tentativa de desvendar-lhe quando não o hermetismo, pelo menos a aura de enigma criada pelos símbolos, ajudados do próprio autor, em comparações e confrontos textuais¨. Ressalta o lírico, percebe vagamente a presença de um neo-misticismo em algumas de suas escritas, dando-nos, afinal, uma investigação crítica dificilmente encontrada em monografias da espécie.
        Poeta maior, escritor extensivo aos mais difíceis gêneros literários, memorialista que faz a história de sua geração e do Clube da Madrugada, Alencar e Silva conta com os seguintes livros publicados, entre prosa e poesia: ¨Painéis¨, poesia, 1952, ¨Lunamarga¨, poesia, 1965, ¨Território Noturno¨, poesia, 1982, ¨Sob Vésper¨, poesia, 1986, ¨Poesia Reunida¨, 1987, ¨Noturno Após o Mar¨ (crônicas e poemas em prosa), 1988, ¨Sob o Sol de Deus¨, poesia, 1992, ¨Ouro, Incenso e Mirra¨ (poema em cinco segmentos e cinqüenta sonetos), l994, ¨Solo do Outono¨, poesia, 2000, ¨Jorge Tufic: As Tendas do Caminho¨, ensaio, 2004, ¨Crepuscularium¨, poesia, 2006. A sair, tem o Autor os seguintes títulos: ¨Prosa Vária¨, ensaios, e ¨Poetas e Figuras na Paisagem¨, ensaios. Entretanto, como um de seus velhos companheiros, sou testemunha das inumeráveis ocasiões em que a Musa lhe dera aquele sopro extra para compor sonetos e poemas, satíricos ou não, com o único objetivo de exercitar as falanges, expor deformidades ou tirar-nos de certos apertos em nossos caminhos pelo mundo. Um fato no mínimo grandioso, ocorrido em São Paulo (1951), ao ensejo da visita que fazíamos à sede da Prudência e Capitalização, na tentativa  de obtermos apoio às nossas viagens de Caravaneiros da Cultura, foi Ramayana de Chevalier, secretário particular de Adalberto Vale, Superintendente da empresa seguradora, quem  nos sugeriu a idéia de formularmos o pedido que tínhamos a fazer, através de um soneto.  Sem demora, Alencar e Silva tomou a si o desafio, redigiu, com a maior tranqüilidade, os quatorze versos solicitados, e, assim, com este ¨passaporte¨ , oficializamos palestras e contatos em Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre.
       A obra de que estamos nos ocupando, reúne todos ou quase todos os sonetos do autor, recolhidos das páginas de oito títulos, com mais alguns avulsos, sem falar nos improvisos ou nas circunstâncias poéticas ou de foro íntimo. Sem falar, também, nos rejeitos que vamos deixando nas cestas do lixo, nem sempre merecedores desse trágico destino. Egresso do rigor parnasiano, do neo-simbolismo e dos versos livres que trazíamos conosco do sul do País, a estrutura do soneto alencarino é simples, funcional e profundamente sugestiva, quando retarda ou deixa ao leitor a fruição  da beleza e da verdade. ¨Quero enxuto o meu verso e muito simples¨  Em  ¨O Soneto no Amazonas¨ (pag. 22), eu destaco esse verso de um soneto de ¨Lunamarga¨ como exemplo de ¨linhas calmas e transparentes, despojado de lugares-comuns e dos artifícios postos em prática, na ânsia de  inovação, por certos autores da corrente futurista¨.
      Já é hora, contudo, de entregar ao leitor este livro do poeta, representativo, como se verá, de uma de suas paixões literárias, talvez a maior, que é a arte do soneto. Mas Alencar e Silva é poeta em qualquer situação, gênero ou categoria. Um belíssimo poema ele carrega, também, no  afeto e na convivência humana, de que nunca, jamais, enquanto vivermos, podemos nos esquecer.  
                                                                                                    Jorge Tufic

SONETO PLACENTÁRIO

 SONETO PLACENTÁRIO


Numa bolha, quem sabe a do planeta,
sobrevivo aos impactos da beleza,
pois a bela e terrível natureza
nos mostra quanto a coisa ficou preta.
Desastres, terremotos e a mureta
de ozônio a desfazer-se; é, com certeza,
forte sinal do lixo e da impureza
talvez pior que a volta de um cometa.
Pasárgadas não há diante do aviso.
Gastamos nosso véu para os flagelos
e, logo, por completo, o nosso juízo.
Raios azuis de estranha iluminura
nos farão recuar, seres tão belos
que só tiveram mãos para a loucura.

A BUSCA

 A BUSCA


Busco os velhos amigos sobre tela
feita de vozes, têmpera de sonho,
desolados perfis madrugadenses,
companheiros que em versos recomponho.
Sei que estão por aí. Alguns finados,
outros dormindo o sono cor de prata:
rupturas, corrosões, andam por tudo,
separou-nos o tempo que nos mata.
Ruas, Aluísio, Neto, o nosso Guima,
no auge de um brinde ao sol, posam radiantes
numa foto que as traças desanima.
Queira, Senhor, tão breve me aconteça
tornar a vê-los como foram dantes,
se logo até de mim talvez me esqueça.

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Vitrais das noites e lendas visitam Brasília


 Vitrais das noites e lendas visitam Brasília




Adrino Aragão




Meu verso é semente
lançada entre ruínas
e olhares de fábula.
(Jorge Tufic)


Houve uma noite na I Bienal Internacional de Poesia, realizada na Capital Federal (2008), em que, na voz do poeta Jorge Tufic, os vitrais das noites e as lendas cobriram de magia e encantamento o Auditório do Museu Nacional. Não falo, ou melhor, não escrevo de caso ouvido ou de caso contado. Escrevo o que vi e ouvi diante de meus olhos, não apenas diante de meus olhos acostumados a eventos culturais semelhantes em outros grandes centros do País, mas sim diante de um público seleto, estudantes, jornalistas, professores, escritores, críticos, leitores, gente que ama a Poesia e as Artes de modo geral. O depoimento do poeta Tufic dá a dimensão de sua participação e de seus companheiros palestrantes na Bienal: “O convite para participar do evento de tamanha magnitude me foi feito pelo grande Antonio Miranda. O honroso espaço, reservado a cada poeta, deu-me a oportunidade de ler alguns poemas de minha autoria, não deixando de fora aqueles que estão no Quando as noites voavam, trilogia amazônica que, já acrescida de uma quarta parte, encerra, talvez para sempre, este ciclo poético-lendário a que tanto me dediquei ao longo de 30 anos em Manaus”. (...) E, num gesto de modéstia que lhe é próprio, confessa: “Ponto alto, contudo, de meus contatos em Brasília foi a reunião de amigos que tivemos numa das dependências do Hotel Nacional, quando fui “intimado” a dar meu depoimento sobre as origens do Clube da Madrugada, assunto este que me parece uma continuação dessa mesma atmosfera que permeia as estórias dos mais antigos habitantes da Hiléia”.


Jorge Tufic, como um dos fundadores mais produtivos do Clube da Madrugada, dá o seguinte depoimento para os leitores de “Entre-texto”:


“Para se ter uma idéia do Clube da Madrugada, basta lembrar que ele foi criado (1954) numa praça, ao ar livre, tomando a lição dos pássaros, dos ventos e da vida em redor. Essa lição de liberdade arejava os sentidos e tornava mais ampla e profunda a convivência do grupo, integrado por sonhadores, visionários, poetas, estudantes, ficcionistas, músicos, artistas plásticos, antropólogos, filósofos, economistas, políticos, comerciantes etc. À distância, fechados em seus gabinetes, dormitavam os conservadores. Mas havia as exceções, como André Araújo, Geraldo Pinheiro, padre Nonato, Sebastião Norões e outros, que nos davam seu apoio e nos acolhiam em seu meio. Assim foi que as primeiras reuniões fora dos cercados da praça seriam realizadas nos bares e cafés onde esses mestres costumavam se encontrar; e a seguir, em lugares ainda mais fechados, como na casa do Desembargador André Vidal de Araújo e na Escola de Serviço Social, dirigida e mantida por este, em cujo auditório Francisco Batista pronunciou conferência sob o título “Conceituação do Modernismo no Amazonas”. (...) “Até que chegássemos aos anos setenta, o CM já tinha ocupado e mantido, por longos períodos, páginas inteiras nos jornais: A Crítica, Jornal do Comércio, O Jornal, além de revistas e periódicos que estampavam a produção literária da equipe e dos colaboradores, entre os quais podemos mencionar nomes famosos como Assis Brasil, Nauro Machado, José Alcides Pinto, Nunes Pereira, Pessoa de Moraes, Jorge Amado, Max Martins, Benedito Nunes e outros. Por ocasião do lançamento da Poesia de Muro, a adesão dos Estados do Nordeste foi maciça. Outro feito histórico: o trabalho para se construir e lançar os monumentos em homenagem a Gonçalves Dias e a Bruno de Menezes, existentes na Praça da Polícia, local da ‘sede’ do Clube. É impossível detalhar, contudo, todos os passos do movimento madrugada”.


De fato, a história do Clube da Madrugada é escrita por grandes debates, eventos, e várias são as fases do movimento. Sempre marcado em ferro e fogo pelo trabalho de cada “afoito madrugadense”, expressão usada por Guimarães Rosa no hall do Hotel Amazonas, quando esteve em Manaus. “Dá pena” – como diz Jorge Tufic - “que esses debates não tenham sido gravados – mas onde o gravador, naqueles tempos? Basta dizer que os livros, que hoje se lêem em tradução portuguesa, eram lidos no próprio original inglês, alemão ou francês. As únicas traduções eram feitas em espanhol”.





Na trajetória dos mais de 50 anos de poesia, Jorge Tufic viajou por quase todas as formas poéticas: soneto, verso livre, poema concreto, práxis, poesia de muro e outros experimentos de renovação da literatura brasileira. Nunca, no entanto, por modismos; mas por compreender que a arte da escrita é, antes de tudo, exercício de alquimia e encantamento. Gênios da pintura, como Van Gogh, Cézanne, Monet e outros gigantes, revelaram, ao longo de suas vidas, que é na mistura das tintas que os grandes artistas encontram a química das cores definitivas com que pintam suas telas universais.

Tudo isso para dizer: só alguém como Jorge Tufic, poeta do Mundo (acreano de nascimento, amazonense por escolha e filho de libaneses), poderia tecer, com os fios da sabedoria de um velho pajé espiritual, e com o encanto narrativo de Sherazade, Quando as noites voavam, livro de tamanha força poética e incomparável riqueza de conteúdo. Afinal, ensinam os mestres, os mitos não são apenas estórias universais; os mitos “moldam e espelham nossas vidas – exploram nossos desejos, nossos medos, nossas esperanças”.

Nesse contexto, diríamos que, pelos rios sagrados dos mitos e lendas, e sob a ritualística de cantos e danças, evocados pelo poeta Tufic correm filigranas de pura poesia de inspiração divina, como acontece sempre que poesia e mito se unem. Leiam esses versos: “Contam que foi assim./ As águas baixaram tanto/ que os peixes subiram para a terra,/ tomaram forma de gente.// Uma Cobra do tamanho do arco-íris/ espalhou essa gente pelas margens do rio./ Antes da pupunha e do arumã,/ antes do Dia e da Noite...” (pág.21), “Neste princípio de noite/ meus dedos têm furos de flauta” (pág.77), “Nestas paragens da Noite,/ a lua se despe no fundo do lago” (pág.80), “Desvair a Cobra-Grande/ até o visgo da lenda” (pág.79).


Na verdade, nada escapa ao sopro mágico de flauta do poeta Jorge Tufic. Nem mesmo, e principalmente, as ações criminosas e impunes do homem contra a floresta, rios, peixes, pássaros, animais, enfim contra a Natureza. É quando, então, o poeta, como um Deus enfurecido, impõe sua flauta incandescente, e derrama-se um canto melancólico e assustador, como no belíssimo e comovente poema “Que será de ti, Amazônia?”, do qual extraímos os versos: (...) “Que será de ti, Amazônia,/ enquanto não forem avaliadas tuas perdas/ e teu desgaste/ em quatrocentos anos de falsa/ prosperidade para o homem;/ e de lenta,/ lentíssima agonia/ para os sonhos e as riquezas/ que te habitam?” (pág.136) (...) “Que será de ti, Amazônia,/ quando tuas lendas não tiverem mais/ onde pousar; e a doce flauta/ do uirapuru/ quebrar-se numa profunda elegia/ sobre os rios que mínguam/ e os areais que avançam?’ (pág.137).


Quando as noites voavam, de Jorge Tufic, é livro para ficar, ao lado de Cobra Norato, de Raul Bopp, como obra-prima da literatura brasileira. E, naturalmente, para ser lido e refletido, agora. Antes que os rios morram de sede, os pássaros silenciem, a floresta tombe em definitivo. E o homem, sem Deus, sem esperança no coração, desapareça da face da terra – como um verme engolido pela serpente insaciável da ganância e do egoísmo em acumular riquezas.