sábado, 31 de dezembro de 2011

QUANDO AS NOITES VOAVAM



A Canoa Transformadora dos dessana
e os textos de Brandão de Amorim
prepararam o caminho
para a Cobra norato de raul Bopp.


A Cobra-Grande de Bopp
descobriu, então, nas cores do arco-íris,


o testamento das águas
e o pânico das raízes sacrificadas.
dessa Grande enchente – contam –
só restara uma frutinha de beira-rio
que os peixes comiam.
Mas os sons e a vigília do poeta
trouxeram de volta a floresta.
diminutivos remaram com ele
para as Terras-do-sem-Fim.

desses variados estupros
submergira o poema,
desencalhara-se a noite.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

QUANDO AS NOITES VOAVAM

(Gravura de Heloísa Pires Ferreira)


IV

eles sabiam, também, como dois incêndios
e uma enchente
tentaram desviar a humanidade
desse velho caminho.


Mas ele, esse caminho, no entanto,
vinha sendo repetido.


As lendas, contudo,
fechadas, embora,
na aparência de simples brinquedo,
conservam a polpa de outros tempos
e mostram, de vez em quando,


o flash inesperado dos seres e das coisas
que ainda esperam retomar os seus lugares,
continuar a viagem.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

QUANDO AS NOITES VOAVAM



III

Tendo-se formado a terra,
a semente de tabaco deitou-se para brotar
e dar folhas.


então, dizem, uma faísca do céu
torrou essas folhas de tabaco,
e da fumaça delas
surgiram visões e falares que imitavam o sapo,
a rã, o macaco, a lontra, os ventos
e o eco das cachoeiras...


Por isso, as tribos já não se entenderam,
enquanto alguns desses lugares
deixaam de ser vistos,
logo sumiram.
Todas as casas distribuídas pela Cobra
foram, assim, transformadas em vilas
e grandes cidades.


os filhos do trovão, porém,
preferiram guardar-se em seus lugares
e costumes antigos.
eles sabiam, de pele sofrida,
como aquela fumaça podia gerar pesadelos,
sonhos, televisões.


segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

QUANDO AS NOITES VOAVAM



Um pássaro errante,
uma singela borboleta,
ou qualquer coisa inexplicável,
podia ser koéra,
a sombra de um corpo
que ficou sobre a terra.


Aqui, também, os dias se casavam
como se fossem gente:
“nossos dias podem casar-se aos teus”,
diziam as moças uanana
ao jovem desconhecido.


e o cheiro do piripiri
se derramava no vento.

sábado, 24 de dezembro de 2011

QUANDO AS NOITES VOAVAM


II
Aqui as luas
se contavam com as mãos.
Um sopro cheiroso de fumaça
conquistava uma tribo,
adoçava uma guerra.
o cachimbo, também,
sondava o futuro,
avisava a presença de estranhos,
aguçava os ouvidos.
Quando alguém amava,
seu coração mudava de lugar.
A lua tinha fogo bonito,
iluminava por fora,
mas queimava por dentro.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

QUANDO AS NOITE VOAVAM

 Jorge Tufic



Aqui as luas
se contavam com as mãos.
Um sopro cheiroso de fumaça
conquistava uma tribo,
adoçava uma guerra.
o cachimbo, também,
sondava o futuro,
avisava a presença de estranhos,
aguçava os ouvidos.
Quando alguém amava,
seu coração mudava de lugar.
A lua tinha fogo bonito,
iluminava por fora,
mas queimava por dentro.



quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

QUANDO AS NOITES VOAVAM




BOLékA
A ONçA INVISÍVEL DO UNIVERSO
(Mitologia Dessana – Tukano)

I
Contam que foi assim.
As águas baixaram tanto
que os peixes subiram para a terra,
tomaram forma de gente.

Uma Cobra do tamanho do arco-íris
espalhou essa gente pelas margens do rio.
Antes da pupunha e do arumã,
antes do dia e da noite...

das seis coisas invisíveis, como ganchos,
cuias, bancos, maniva, ipadu e cigarros,
destacou-se a mulher,
criada por si mesma.

ela aparece no desenho dos índios
sorrindo para os trovões...

enfeites e objetos de uso,
também estavam prontos, ali.
e as casas eram de pedra tão fina
que luziam por dentro...


segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

AGENDA 1965



24/25/abril
Um sábado repleto. Domingo agradável, bom para vilegiaturas. Mas eu devo permanecer em casa, repousando. Quanto às novas, a semana entrante estará cheia delas. Pela Rádio do Brasil já ouvi que 74 fora o número de readaptações do Ministério do Trabalho. Cinco processos descem transformados em diligência.


domingo, 18 de dezembro de 2011

AGENDA 1965



23/abril
O Caderno Madrugada de domingo próximo vai ser um sucesso. Na verdade, esse Aluisio é um gênio do movimento editorial. Sua fibra de lutador vem de Esparta, passa pelo Desfiladeiro das Termópilas, enfrenta Roma em Cartago, para vir encontrar-se comigo na Biblioteca Pública de Manaus, onde nos conhecemos.- Dois poemas em gestação. - Amanhecerei ou não Inspetor do Trabalho? Pelo sim, na segunda-feira daremos contorno mais nítido à Operação base 2. As coisas parecem estar sabendo acontecer. Segundo o Saul Benchimol, as coisas sabem acontecer.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

AGENDA 1965



21/abril


Sábado os nossos processos entrarão em pauta de julgamento. Operação-base à vista, a partir do Diário Oficial da União. Mantenho-me em forma, sem dar um passo que venha em prejuízo (ou em mais prejuízo) de minha família. Amanhã estarei confeccionando uma lista da OB, primeira etapa, que trata da preparação disciplinar.


domingo, 11 de dezembro de 2011

AGENDA 1965


20/abril

Já não tenho mais dúvidas: meus nervos estão em frangalhos. E a causa maior disso – minha mãe – parece longe da cura ou do cansaço. Pendulo entre o amor e o ódio, o fracasso e a vitória, a grandeza espiritual e o desejo de morrer para a bulha cotidiana, o mercado das vaidades, o teatro do egoísmo. Escrever um longo poema, desenhar um romance como faz o Rui Brasil, tentar uma novela, são planos antigos.- É hora de partir pelas ruas calmas da cidade, voltar ao batente.
* Dias sombrios penetram em nossos lares, trucidam as nossas esperanças numa democracia que começa com a legenda dos Inconfidentes: LIBERTAS QUA SERA TAMEN. Segundo LPS, estamos num País invadido pelas suas próprias Forças Armadas. Em todas as repartições públicas ali estão eles, punindo os civis em busca de promoções. Na minha, fizeram-me perder o direito à incorporação da Função Gratificada dois meses antes que este fosse adquirido. Teriam usado um colega meu para o ato, eventualmente no cargo de Delegado do Trabalho.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

ENTREVISTA

(óleo de Vieira da Silva)



Fonte: http://sambaquis.blogspot.com/2009/03/jorge-tufic-queima-roupa.html

1) O que é poesia para você?

Deve ser o substrato da primeira manhã do universo, algo que teria se fixado em minha retina nos albores de minha infância em Sena Madureira-Ac, lá pelos idos de 1935. Um cenário bucólico onde o rio, a mata, os igapés, violões à distância e o desafio dos cantadores nordestinos, soldados da borracha, tanto me deslumbravam quanto acenavam desafios que somente anos depois eu viria a aceitar, compondo o meu primeiro soneto. É um sentimento forte demais para uma criança que ainda não tinha amigos nem brinquedos.

2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?

Um iniciante no fazer poético deve perseguir os bons livros de poesia. Devorá-los em silêncio, de preferência contido diante de qualquer impulso ou chamado para os primeiros rascunhos, tarefa essa que deve ficar para quando dispor de muito papel para ser gasto. A ilusão de texto definitivo é um dos véus de Maia nessa fase de busca de estilo e de linguagem.

3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?

Minha escolha de três poetas-modelos recai sobre Jorge de Lima, Manuel Bandeira e Ferreira Gullar. O primeiro pela sua exuberância e riqueza de metáforas, o segundo pela simplicidade e o terceiro pela extrema economia verbal, sem abdicar do discurso lírico e da participação social.


Jorge Tufic nasceu em Sena Madureira, Acre, a 13 de agosto de 1930. Viveu em Manaus durante 46 anos, dali saindo para morar em Fortaleza, em 10 de dezembro de 1991. É autor da letra do Hino do Amazonas, entre vários livros de poesia, ficção e ensaio, perfazendo os 50 títulos publicados. Pertence a várias entidades, entre as quais a Academia Amazonense de Letras, Academia Acreana de Letras e a Academia de Letras e Artes do Nordeste, sendo, além disso, detentor de inúmeros prêmios literários, com destaque ao Curso de Arte Poética, prêmio nacional da Academia Mineira de Letras para o ano de 2003. É Comendador da Ordem do Mérito Cultural do Estado do Amazonas, Cidadão Honorário de Fortaleza e colaborador do portal Cronópios da Internet. Foi objeto de uma primorosa reportagem do jornalista Jacques Menassa no jornal libanês Al Naher, já divulgado e traduzido para 80 idiomas. E-mail:

domingo, 4 de dezembro de 2011

POEMAS







Calendário
vida,
ainda se fosse possível
compreender esses códigos
gravados na cripta
dos teus avessos.


Então
as palavras já nasceriam
feitas,
a lã
não teria seus pastores,
nem os pastores
seus montes,
nem as montanhas
suas grutas de rapina,
nem o chão da terra
os rastros da serpente.


Nem os maus seriam chamados
para mudar o caminho
da história;
nem os bons haveria
porque a bondade
e o martírio
jamais se banham nem se repetem
nas águas do mesmo rio.




PROSPECÇÃO


Ninguém te vê.
Só os ventos te penetram.

Ninguém que esteja saciado
ou faminto
necessita de ti.

Neste exato sem nome
reintegra-te à nuvem que passa
e ao canto das aves.

o poeta, já o disse,
é um ser transparente.

Invicto. Desnecessário
entre porcos, hienas
e outros viventes

solidariamente incompletos.