sábado, 30 de março de 2013

QUANDO AS NOITES VOAVAM



nessa cachoeira da onça,
sobre o lajedo que é feito
com pedras de antigamente,
as duas moças da tribo
pelo moço já esperavam.
seu rosto às vezes boiava
no espelho azul de algum sonho.

o moço também as via
quando por elas sonhado.
dali mesmo ele surgiu.
Três dias foram de festa.
depois, então, combinaram,
cada moça por sua vez,
fugir com seu namorado.
só que as irmãs eram duas
para uma sombra de rio.



quarta-feira, 27 de março de 2013

QUANDO AS NOITES VOAVAM



Teu vinho de lua,
teu visgo doce de flauta,
tua boca de arco-íris
fazem ver estes lugares, kaxpi,
ouvir o milho pitá,
a mukura canhen,
a onça, a forquilha,
a cigarreira do avô.
Tudo pequenininho, kaxpi,
mas a gente entendia...


o bosque do sol,
a velha do Curupira,
o forno de farinha,
as redes de dormir,
o ralo de macaxeira,
o jirau, as estacas,
o espinhaço da Casa...
Ainda estamos em viagem, kaxpi,
na barriga da Cobra.


domingo, 24 de março de 2013

BASTÃO DE RITMO


COROA DA RAINHA VITÓRIA





BASTÃO DE RITMO



Elegia Tukano

Ai, kaxpi,
meu sapo cozido,
meu pote sonâmbulo,
minha canoa tonta,
meu rio afogado,


dai-me o sono, caxpi!

Uma outra vez, dai-me, kaxpi,
a visão da maloca,
a palha seca umari,
meu banquinho feliz,
meu trovão de brinquedo.


Contam, contam,
nós vimos de longe,
Cobra-Grande nos dera caminho,
a terra das margens
uniu-se aos tukano.
é por isso, kaxpi,
que a porta da maloca
começa no rio.

quarta-feira, 20 de março de 2013

QUANDO AS NOITES VOAVAM



Muitas coisas, porém, não devem ser ditas,
copiadas ou traduzidas.
Como, por exemplo, nunu’ká,
“uma espécie de faísca no brilho do relâmpago”.


vigiar é um privilégio de quem sabe.
nos largos intervalos da noite,
as estrelas gotejam pajés
que tocam e iluminam
a levíssima cumeeira de nossos antepassados.



domingo, 17 de março de 2013

ISMALIANA




ISMALIANA

Um ser ou náufrago
nada pela rua,
tem a sombra na torre
tem o corpo na lua.

Nascido astronauta
seu nome é precário;
homem, talvez sombra
do arroz planetário.


sábado, 16 de março de 2013

TRANSVIAGEM





TRANSVIAGEM

Nos três fusos paralelos,
nas quatro estações do corpo,
o futuro me cospe
como a um dente cativo
no telhado de um samba.


quarta-feira, 13 de março de 2013

REW

foto de ALBERT SAMUEL



REW

Que estranha bússola
ou imantada linfa
de todos os vestidos
que minha mãe vestira,
fazem adentrar meus passos
na esteira azul destas ruas saídas
das muitas que ainda guardo
em meus bolsos furados?

Adolescente
também coube a mim dividir
a túnica dos domingos entre o cais
e a vergonha de ser pobre.


terça-feira, 12 de março de 2013

QUASE ELEGIA






QUASE ELEGIA

Como depois de uma
EXPLOSÃO,
estou só.

Uma chuva, talvez,
escurece minha rua.
Estranha e fina,
ela penetra o solo do bairro
e desce pelos meus ombros.

Tão límpida,
que eu me retiro do caos
com as sobrancelhas
do arco-íris.

domingo, 10 de março de 2013

segunda-feira, 4 de março de 2013

POLIEDRO




POLIEDRO

Meu novo dia:
apenas um jorro de flautas,
cristal distraído.

Centenas de faces
para minha escolha
e  o
meu desespero.



sexta-feira, 1 de março de 2013

DRUMMOND, 1937


DRUMMOND, 1937
Setenta anos, quase,
densificam a textura do momento
em que se dera a impressão
da histórica fotografia.

Eu tinha cinco, apenas,
quando Carlos Drummond de Andrade
já entrava em concurso de poesia.

E aqui está ele, Drummond,
de ponta esquerda no time da história:
os demais elementos da foto
já tinham seus nichos sagrados.

Drummond devia beirar os trinta
enquanto eu jogava pelada na esquina
de uma rua deserta.