sexta-feira, 31 de agosto de 2012

AGENDA 1965



07/08/agosto

Quanto a minha mãe, pobre mulher: será preferível agir com a família, antes da solução oficial do confinamento psiquiátrico. A solução do chamado Hospício não vai ser propriamente definitiva para o caso, mas um tipo de asilo provisório. Em março de 1962, quando fomos obrigados a interná-la, chorei lágrimas de dor e arrependimento. Não pode haver palavras que expliquem o dilema que se repete.

09/agosto

O que nos parecia impossível, acontece: em meio aos protestos de dezenas de populares, minha mãe é ¨arrastada¨ por 14 guardas civis para dentro de um jeep e conduzida ao Hospital Colônia Eduardo Ribeiro. Neste exato conciliábulo das horas abandonadas por Deus, descri de tudo. Foram duas brigas de punho e uma de cacete que tive de enfrentar nas ruas e logradouros, temendo estar morto como nunca antes estivera.
N. do A.: As seqüelas de tais confrontos viriam mais tarde, umas no nariz, outras nas costelas.
* Segundo o Dr. Rayol dos Santos, médico da Colônia, D. Faride não apresenta um quadro patológico compatível com sua internação, considerando-a portadora de esclerose cerebral. A paciente foi liberada três dias depois.

11/agosto

Fico deveras assustado quando me acordam para atender ao Dr. George Jacob, o qual me diz que D. Faride voltara e se mantém inabalável diante de sua ex-residência, querendo-a de volta. Mas Deus é grandioso. Acabo por convencer minha mãe de que sua nova casa agora será junto a seus filhos, no bairro de Santo Antonio. E ela, suavemente, acabou voltando comigo para seu novo domicílio. Foram três meses de inferno rubro, e o Diabo, espantado, bem longe dele.

domingo, 26 de agosto de 2012

DUETO PARA SOPRO E CORDA

SERESTA FRUGAL

Bota a mesa, Raquel. Aí vem lua
pela janela aberta. A lua traz
constelações de frutas, muita paz
na brancura do pão que ora flutua.

Belos peixes do rio vão pra rua
da noite plena que esse bem nos faz.
Bota os pratos, que agora a mesa é tua,
farta desse clarão que satisfaz.

Lá fora o vento morno impõe o riso
de quem  degusta estrelas; e há licores
na sombra onde comer não é preciso.

Banquete assim, Raquel, preda os rancores,
enfuna o linho à mesa, engana o juízo
que assim volteia como os beija-flores.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

AGENDA 1965



31/01/agosto

De Nauro Machado, como sempre desde 1958, recebo seus últimos dois livros publicados: ¨Segunda Comunhão¨e ¨Ouro Noturno¨. Grande poeta do Maranhão. De Alcides Pinto recebo o ¨Ciclo Único¨, poemas em prosa.

03/agosto

Muito já se falou a respeito do trabalho artístico, inclusive das qualidades que distinguem o criador do inventor. Essas leituras fazem falta entre os nossos jovens poetas.

03/agosto

Telefonema do Afrânio Castro me informando que hoje ele rasga a folhinha de seu natalício. Convida-me, pois, para almoçar em sua companhia.- No jornal ¨A Crítica¨,a resenha da Assembléia Legislativa divulga o pronunciamento do Deputado João Valério sobre o Curso Intensivo de Cultura Brasileira, destacando, como pontos altos, as conferências de Thiago de Mello, Benedicto Nunes, Jorge Tufic e Arthur César Ferreira Reis.

04/agosto

Delenda Caixa Econômica.- Notícias de Brasília dão conta de mais 1302 readaptações de funcionários do MA assinadas pelo Presidente da República. Os sinais favoráveis avançam, embora devagar.


terça-feira, 21 de agosto de 2012

AGENDA 1965

FOTO DE ROCHA




21/julho

Izabel necessita operar-se da vista. Eu também de tratar os dentes.- Instala-se na sede do Luso o Curso Intensivo de Cultura Brasileira, orientado pelo nosso amigo do Pará, professor Benedicto Nunes. Antonio Olinto também virá do Rio. Faço minha inscrição.

24/25/julho

Prossegue o Curso Intensivo de Cultura Brasileira. Me encontro com o Roberto Jansen na avenida Eduardo Ribeiro, quando sou convidado por ele a tomar parte de uma tartarugada, no Xangay.


27/julho

Minha conferência no Curso Intensivo de Cultura Brasileira, dividir-se-á em três fases: a) A Nova Poesia do Amazonas; b) Reflexos do Movimento Concretista; e c) A Poesia como Tarefa Revolucionária.

30/julho

Recebi hoje os 271.592 referentes a dois meses e 24 dias de Função Gratificada (Turma do Interior). Para garantir a gradativa liquidação de minhas dívidas, confiei à guarda do Murilo a importância de 160.000, isto é, 40% dos 400.000,000 que devo ao BCP. Débitos mais urgentes foram saldados.


sábado, 18 de agosto de 2012

DUETO PARA SOPRO E CORDA

SONETO A UMA AGENDA

Para quem chega ou sai, vide na agenda
telefone, endereço, e assim, talvez,
o número da campa onde o freguês
terá deixado a última legenda.

Todo um passado nela se desvenda
com a rolagem dos anos. No entremês
de novas baixas, outros, por sua vez
plantam seus nomes e refaz-se a lenda.

Nomes famosos como Pedro Nava,
poetas humildes como Jota Cê,
já se foram da letra que os guardava.

Antigas pautas mostram-nos, porém,
que entre os vivos há mortos; estes que
nunca respondem, nada, pra ninguém.


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

AGENDA 1965

15/julho

Será amanhã a visita do Presidente Castelo Branco a Manaus, o que vem coincidir com mais dois eventos locais: a homenagem que vamos prestar ao Thiago de Mello na Chapada Sírio-Libanesa, e o aniversário de Eliana.

16/julho

Dia repleto, festivo, alegre. Na Chapada com Thiago, Alberto, libamos o ¨Quinta do Pinhal¨ Tarde igualmente feliz, com mergulhos na piscina e muito assunto poético debaixo do mocambo. Já em casa, Izabel organiza os parabéns a nossa querida filha, com bolos e refrigerantes. Oito anos de idade.

17/18

Com o Teatro Amazonas cheio, a cidade triunfou do marasmo vivendo o melhor de seus dias num clima de arte, ao despedir-se de seu pianista maior Arnaldo Rebello, de volta ao Rio de Janeiro. O ponto alto da noite esteve com a soprano Blanca Antony Bouças, acompanhada por Arnaldo ao piano. Uma breve letra de minha autoria, com música dele, foi cantada em coro no encerramento da programação, sob a batuta do velho maestro:

Saudades antecipadas,
saudades deste momento,
nas futuras madrugadas
que sejais meu pensamento.



sábado, 11 de agosto de 2012

DUETO PARA SOPRO E CORDA





SONETO PARA UM VELHO TELHADO


De calha em calha ondula o gato; a janta
Vai chegando ao final sob este espaço
Onde não chega o ácido mormaço
Quando a tarde é mais forte e a lua tanta.

Diante do gato um pássaro levanta
Seu vôo meticuloso, ao gesto e ao passo
Do romântico chano: agora é de aço
O brilho visceral que a noite espanta.

Enquanto ossadas limpam-se da mesa,
Secam lá fora os grilos da incerteza,
Telhados ardem na paisagem suja.

Não sei mais desse gato. O passarinho,
Mandei que fosse em busca de outro ninho.
Naquela casa, pia uma coruja.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

DUETO PARA SOPRO E CORDA

SONETO A UMA TELA ESQUECIDA

Douradas estações fazem seu lume
de ontens sangrados e amanhãs nevoentos.
Que somos nós? Tutores desses ventos,
breve fulgor, insólito perfume.

Celebrar esse instante era costume
sob as copas de bosques cismarentos;
dele jorraram vinhos sumarentos,
dele a canção do afeto e do negrume.

Entre o sono e a vigília, amor e tédio,
crestam videiras; lá, barra-se o dia
que à cena empresta um rústico debrum.

Assim pintores viam, sem remédio,
fixar-se o tempo escasso da alegria
na sucessão de um brinde apenas um.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

DUETO PARA SOPRO E CORDA

SONETO PARA BOCAGE

Que sabes tu de mim, rosto sereno,
mão armada de cálamo, chinelo
diante do pé lanhado e não pequeno,
em tudo a imagem de polichinelo?

Que sabes do que sou, profundo anelo,
sempre avesso ao teu lodo, embora ameno
ou pálido me adentro em teu castelo
e bebo do teu vinho e teu veneno?

Que sabes deste outro que procuro,
Se reverbero enquanto te consomes,
e entre nós se levanta um novo muro?

Fardo que me aprisiona, quem imagina
ser um monstro fugaz, com tantos nomes
a fera em que me escondo e me assassina?