domingo, 10 de junho de 2012

POEMAS

Vênus


Dá-me, Apeles, o sangue dos teus dedos
e as cores deste mar, espuma ardente
em que Vênus ressoa e se reparte
entre deuses e bichos, céus e terras,
para que a louve, prostituta imensa
feita de orgasmo e sol. Pombos e cisnes
a conduzem nos braços da Volúpia
onde ela exerce, pleno, o seu domínio.
Mas, de repente, queda-se cativa
de um mortal como Adônis. Tão completa
me parece esta deusa que seu brilho
tem, sobre nós, a calma perspectiva
de uma fúria saciada: um simples nome
que a eternidade rútila consome.


Restinga's Bar



Sou tão frágil, meu bem, que um som, de leve
pode ser-me fatal como o teu beijo:
qualquer música brega, qualquer frase
pode ser-me fatal. E, assim, não deve
a brisa andar tão próxima à tormenta,
como não deve o ritmo da valsa
transformar-se em punhais; a vida é breve
e aquilo que é demais logo arrebenta.
Sou tão frágil, meu bem, que nada pode
separar-me de ti. Teu nome é um sonho
que navega em meu sonho. Tenho pena
de tudo, algo me aflige e me sacode.
Desliga esse Gardel, bota um canário
em vez do som, da voz que me condena.



Voragem


Rostos que nunca vi, jacintos murchos
cujas sonatas frias me tocaram,
estes rostos não quero: eles são breves
no desfile das pálpebras cerradas.
Penso naqueles outros, familiares
rostos de toda a vida. Cataventos
da rua ainda sem nome, alagadiço
porão da infância, arpejos e trigais,
dai-me a ver novamente ou mesmo em sonho,
estes semblantes nunca repetidos,
graves alguns, mas todos inseridos
na memória dos dias voluntários.
Cemitério, talvez, dessas lembranças,
todas, em mim, são rosas e crianças.






 Soneto arqueológico


Babilônio sutil, meu queixo fino
sobrevive às catástrofes; num vaso
posto a secar, meus olhos comparecem
entre os botões da noite milenária.

Sombras do Tigre, mágicas do Eufrates,
algo resta de nós. E disto apenas
tudo volta a crescer, tudo se extingue
feito o barro dos códigos severos.

Quem me decifra além dessas batalhas?
Quem me vê nos coleios da serpente?
Quem me furta do sono e me atropela?

Babilônio sutil, no auge da messe
cozinho para os reis pedras e telhas.
Nas horas vagas sou pastor de ovelhas.



Para L. Beethoven



Meu corpo entrego ao teu silêncio de água,
aos arcos de tua música pairante,
onde as vozes da terra, no seu pasto
de nuvens, resplandecem como lágrimas.


Não sinto mais feridas nem abalos.
Meu sangue jorra lento dos violinos.
E uma luz crucifica-me nos ares
de chuva, por tuas rosas lapidados.



Estas rosas que alteram nosso dia,
e abrem na tarde a súplica dos dedos
que se libertam, pássaros, do barro.



E tocam, com sua forma torturada,
a flor do azul contida e descontida
neste adágio de pedra e de luar.







Destino



Um tear
e uma aranha
ponteiam meu destino.
Quando o tear se esgota,
a aranha pega o fio
e sobe.



A leitura deste signo
gasta-me o zodíaco.






Sistema


O desenho de uma estrela
quantifica o papel
deslumbra o vazio.




A simplicidade
equaciona o absurdo.


 

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