terça-feira, 26 de abril de 2016

Temos um Conservatório


Jorge Tufic


MANAUS tem a honra de hospedar um verdadeiro maestro. Que aqui veio para cumprir a espinhosa missão de, arrostando com as maiores dificuldades, fundar um Conservatório de Música. Maestro Nivaldo é um desses espíritos que, coroados pelo próprio destino de realizar uma obra grandiosa, com muito de loucos, naturalmente, nada há que lhes dificulte o mister.

E assim foi que recebemos, dias passados, a notícia alvissareira: fundara-se o “Instituto Musical Santa Cecília”. Estão, por isso, de parabéns todos aqueles que se dedicam ou admiram a divina arte. Pois o Instituto, com suas portas abertas, recebe e aprimora talentos, Maestro Nivaldo cujos conhecimentos ainda mais se aprofundam, mercê de uma cultura musical bem formada, através de estudos e ensaios consecutivos, não se ponha em dúvida a sua capacidade de trabalho, que reconhecemos altamente profícuo.
Nivaldo Santiago, em out. 2010
Pelo menos foi essa a impressão que tivemos, levados que fomos a conhecer o artista. A palestra que mantivemos, numa atmosfera agradável e serena, o que dela lucramos, a lição de entusiasmo e perseverança que aprendemos, tudo isto ainda perdura, indelével, em nossa memória.

A brevidade do espaço, porém, impede um possível extravasamento da nossa parte. Damos apenas os parabéns desta coluna, ao maestro e seus auxiliares.

Lá encontrareis também a senhora Neuza Ferreira, que vos há de ser útil e atenciosa. Nesta terra em que poucos são os que se voltam para as coisas da Beleza, meu caro Nivaldo, é com o mais vivo interesse que as jovens vocações musicais do Amazonas recebem a boa nova. Porque em verdade era esta a sua aspiração máxima. Era este o seu desejo. Que se fundasse um Conservatório, e o mesmo estivesse ao alcance de suas mãos.


Estão-lhes, portanto, abertos os horizontes da música. 

sexta-feira, 22 de abril de 2016

As várias mortes de Makunaima




As várias mortes de Makunaima 


Makunaima sacode o corpo de mato. 

o chão se levanta e caminha. 
Fazer é seu verbo de frutas alegres, 
e por onde ele anda, um ramo de susto 
cai desprotegido 
ao solo de um gorjeio. 
Aqui, uma cobra balança seu cacho de veneno; 
ali, Makunaima já tomou sua pele 
e veste, com ela, os macacos-da-noite. 
Makunaima é o princípio do invento. 
Para ser anzol, ele começa de peixe, 
sabe esperar com boca de piranha 

o lance do pescador. 
Para ver-se fazendo o que fazem 
com a racha das mulheres, 
ele fica menino pidão, mas foge pro mato 
com a embira do irmão. 



o verde é um silêncio de festa. 
Makunaima despeja seu gozo de febre 
e, lá no alto, 
aparece a constelação do Mutum. 
ele fabrica o céu 
com os pés de terra. 
suas mortes são várias. 
Porque mesmo no bucho de uma fera, 
ou dividido entre braços, pernas, dedos, 
tronco, ele comanda o suor do resgate, 
a surpresa e o vazio 
daqueles que o trazem de volta. 
não tem sacanagem de bruxo 
que lhe passe a distância. 
Makunaima tece a hipnose dos grilos. 
Com essa teia de sons, ele entrama 

o tempo no espaço: 
arruma as coisas de novo 
se deita, afinal, em seu leito de palha. 
enquanto dorme, fricciona os artelhos 
e provoca um incêndio, 
somente, só, para rir dos mosquitos. 




sexta-feira, 15 de abril de 2016

O SONETO DE DEUS



O SONETO DE DEUS
                   

Segundo Jayme Ovalle, o passarinho
é o soneto de Deus; ele gorjeia
ao vir do sol, mas tendo lua cheia
pelos ares se emblema, é pergaminho.
Estrofes saltam desse leve arminho,
letras são giros, códigos de areia;
do pássaro e do canto a luz semeia
versos e rimas, bem devagarinho.
Amoroso dos inhos, Jayme Ovalle
tinha por tudo afeto e cortesia:
um santo sujo que por muitos vale.
Ave ou soneto, quando presos voam.
Libertos, não têm jeito de poesia,
quanto menos adornam, menos soam.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

ZEFIRO 1

ZEFIRO 1


SEBASTIÃO NORÕES

SEBASTIÃO NORÕES

Sebastião Norões
Bem próximo de completar 60 anos de seu lançamento, o livro de poesias do falecido Sebastião Norões –Poesia Frequentemente – tem a primazia de ter sido o primeiro livro editado por um membro do Clube da Madrugada.

Para marcar tão faustoso acontecimento na cidade de Manaus, o jornalista e poeta Jorge Tufic, saudando o colega, publicou em A Crítica (25 abril 1956) o artigo aqui postado.

POESIA FREQUENTEMENTE

Jorge Tufic

Acontecimento invulgar na história literária do Amazonas, podemos dizer, foi a estreia, em livro, no dia 23 deste, do poeta Sebastião Norões. E dizemos isso porque o próprio poeta, em pessoa, esteve presente na ocasião em que Poesia Frequentemente estava sendo exposta à venda na Livraria Escolar, e ele mesmo, Norões, encarregara-se de brindar aos amigos e inúmeros admiradores com exemplares autografados.

Com isso, pois, com essa atitude, corajosa e espontânea, assume o poeta uma posição definida em face das letras amazonenses. Vem ele acompanhada de uma vasta experiência no dia-a-dia da Vida, nesse contato intelectual e emotivo com as coisas que o circundam, viagens, leituras, relações humanas etc.

A poesia de Sebastiao Norões não se apresenta revestida de nenhum aparato ou roupagens tecnicistas a que se deixam, comumente, subordinar o pedantismo poético dos “noviços” e deliberado exibicionismo dos que somente através do floreio verbal são capazes de produzir alguma coisa.

Não. Ela nasce despreocupada e feliz, lembrando nesse particular, a poesia de um Manuel Bandeira (leiam-se Santuário Mar Despovoado) ou a de um Ledo Ivo dos últimos poemas.

Poesia emoção. Poesia sentimento... Essa poesia cujos filamentos de sonho, amor, ternura é uma profunda filosofia que nos mantém constantemente em ligação com o “fundo das coisas”; essa poesia, país de origem de todo verdadeiro bardo, na qual nos integramos num pleno e total relaxamento das cordas emotivas de nosso ser...

Não sendo este, porém, lugar apropriado, em que possamos entrar na substância do livro, com um certo e natural espírito de crítica o que faremos na próxima edição deMADRUGADA, o que nos resta fazer, portanto, é parabenizar o companheiro Norões pelo trabalho, paidéguamente heroico, o qual de publicar um livro em Manaus, e que vem de se coroar, agora, de êxito completo.

Que sirva isto de lição para nós outros. Que sirva isso de lição para aqueles que não vêm em nosso restrito meio intelectual, possibilidade, de qualquer natureza, que recompensem esforço e dinheiro empregados. Porque temos esperanças que em breves dias o Amazonas terá, também, venha isso do céu ou da boa vontade dos homens de espírito, a sua Casa Editora. É quando, então, poderemos pensar em recompensas literárias...

terça-feira, 5 de abril de 2016