sábado, 26 de abril de 2014

LEITURA OBLÍQUA



LEITURA OBLÍQUA


De meus últimos exames
resultam fraturas.
Algumas consolidadas, outras
em franca perda da massa
indispensável
para minhas idas e vindas
à Praça do Ferreira.
São três no tórax,
duas na cabeça do fêmur
e bem ali,
num ponto sem qualquer referência,
a mais grave de todas
e a que menos se vê.


terça-feira, 22 de abril de 2014

O PESADELO



O PESADELO


O que vem deste passado
senão vendavais de sândalo,
calçadas com poças de chuva,
 e a soma de tudo
na gota escura de cada tinteiro
que, antes de qualquer gesto,
seca ou se evapora.


sábado, 19 de abril de 2014

PROVISORIEDADE


PROVISORIEDADE

Executado o projeto da casa
habitada por dentro
uma outra festa
quem sabe inaudível
começa a roer o sorriso
que aumenta os retratos.


quarta-feira, 16 de abril de 2014

A VIGÍLIA



A VIGÍLIA


A noite se crava em meus ossos.
Ela tem muito de mim:
guarda os milênios de chuva
destaca as fogueiras do mito
faz gotejar os pajés da Amazônia
sobre lagos & rios.
Essa noite não dorme
enquanto a prolongo.


segunda-feira, 14 de abril de 2014

O DESENCONTRO



O DESENCONTRO


Uma folha tremula
sobre o branco a?itivo dos garfos.
Passado & futuro
são fronteiras de aragem.
Formigas saem das tocas
ganham asas de louça.
Cristais se fundem
no brinde sem eco.


sábado, 12 de abril de 2014

A MARCA INSEPULTA


A MARCA INSEPULTA

De um poço aqui mesmo
a cem metros abaixo da mesa
seres incríveis
alteram a lanugem da grama
misturam o gorjeio dos pássaros
ao susto das águas.
Um pouco abaixo
está o nível dos terremotos.


quarta-feira, 9 de abril de 2014

JANELA



JANELA


Que número dar ao lenço
da tarde que declina?
Ao que apenas cintila
como lembrança de um corpo?
Que nome tirar dos nomes
cujos per?s se encantaram?
É no que pensa o jarro
que de pensar, ?oresce.


segunda-feira, 7 de abril de 2014

QUANDO AS NOITES VOAQVAM


No princípio era o canto.
A lua cantava pelo céu, todos ouviam
seu canto bonito.
Por cima dos galhos macacos cantavam.
Todos os animais da terra
- répteis, aves e peixes -
também cantavam.
Antes a noite era grande, vazia.
Da carne das frutas comidas pelo homem,
nasceram os animais.
Das sementes brotaram cabas, formigas,
lacraus e aranhas.
Lançadas ao rio, estalaram seus peixes.
A árvore que falava, disse ao homem:
- Come a carne da fruta,
depois enterra a semente.
Mas ele esqueceu-se do que a árvore lhe disse,
passou a estragar tudo,
espantou-se do que fez.
Embaixo da árvore os bichos e animais
aumentavam de número e tamanho.
As sementes deixadas nos galhos
cantavam saracura, guariba e outros.
No rio jacaré, sucuriju, piraíba,
outras espécies cantavam também.
Ele ficou espantado: nenhuma árvore
lhe respondia mais onde estava
nem de onde vinha esse barulho.
O homem quedou-se triste,
e já não tinha (já) como de onde fugir.



domingo, 6 de abril de 2014

PALAVRAS AO CÂNCER DA TERRA



PALAVRAS AO CÂNCER DA TERRA


Vejo-te múltiplo. E homem.
Milhares de ti numa concha de larvas
ardendo em topázios.
Às vezes dentro de um túnel
outras vezes numa rua esquecida
entre os uivos da casa imaginária
ou no sangue dos mastros gravados
com o nome das auroras.
Dos altos-relevos em bronze
ao jornal que amarfanhas antes do meio-dia
já se impôs o teu per?l de labareda
o teu riso complexo
adiando-se em curvas de rio
batidas soturnas do remo volátil.
Entretanto, ainda não o sabes:
estar vivo não é apenas tossir
chupar balas de hortelã
ou ir ao cais de rumores antigos
despedir-se dos náufragos.
Acompanho-te nas calles suspensas
por um ?o de barba. Auras a?itas
pululam nos olhos que te seqüestram


nas mãos que te assustam
nos postes que cruzam contigo.
És tantos e quantos mergulham e bóiam
exibindo a gravata rota
o sapato vencido
a boina esfarrapada.
E à sombra dos ombros estéreis
são traços de um desenho arbitrário
os caminhos que vão de tuas rugas
ao estrago das utopias.
Nenhuma resistência, contudo,
demonstras ao lógico
nenhum batimento anormal
para os gnomos que migram
numa pétala de nuvem.



quinta-feira, 3 de abril de 2014

TRANSDICÇÃO




TRANSDICÇÃO


Dou meu jato de pólen
e ossi?co o poema.
Seus mínimos cristais de amônia
sal e orgasmo
vertebram centelhas.


terça-feira, 1 de abril de 2014

SISTEMA


Sistema


O desenho de uma estrela
quantifica o papel
deslumbra o vazio.



A simplicidade
equaciona o absurdo.