quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Tosco, o antro da noite


Tosco, o antro da noite

Tosco, o antro da noite, 
em ocre ou madeira fóssil, 
aproxima-se de nós 
em máscara e mito. 

Seus olhos rasgados, 
por arte esquecida rastreiam 
cardumes de lava, 
silenciosos caminhos de chuva. 

O traço oval do conjunto 
é um pássaro fixo, 
antigo e severo. 
A boca é outro enigma 
que também nos devora. 


Jorge Tufic 


Do livro: "Fui eu", Escrituras, 1998, SP 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

CLUBE DO BODE



CLUBE DO BODE

                   A João Soares Neto

Para o bode dos sábados, amigo,
retorno hoje às tardes desta rua,
na qual temos por tenda sob a lua
tantos livros e afetos como abrigo.
Sopra a brisa de outubro, o azul antigo
nas crônicas do João se perpetua;
lembra o clube, o repente, a vida crua,
palmas também às damas, sem perigo.
Neste lugar, portanto, Soares Neto,
mandacarus florescem, canta o galo,
verdeja ao longe o milharal discreto.
O caprino (em seu trono) agora berra
vendo servir à mesa, e que regalo!
pedaços de outro bode, irmão da terra.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

ROMANCE



ROMANCE

Se ela me larga eu largo o mundo todo,
dou largas à manhã que já não tenho;
largo o trabalho desço do meu lenho,
faço estrelas partindo do meu lodo.
Se ela me larga, venda-se o rapsodo
para cantar amor e o a que venho
de sentir quando súbito despenho
do penhasco que fui para este modo?
Se ela me larga alargam-se meus ombros,
hei de guerras fazer, espalhar ódio,
ser o Diabo da Rua dos Assombros.
Mas logo soa o telefone; soa
e uma voz infeliz deste episódio,
sabe do que não sei, logo perdoa.