quinta-feira, 28 de abril de 2022

CINZA


 CINZA

Para Jorge Tufic (1930-2018)

 

Terminei esta manhã

de quarta-feira de cinzas

como a natureza do tempo

apresenta-se agora.

 

O vento espalha-se frio

é chuva que vem

dizer

que a saudade é

um murmurar melancólico.

 

Deus começa a chorar, Tufic!

Depois do reinado festivo

do momo

gota a gota, fico a relembrar

os seus versos a uísque

doze anos.

 

Guardanapos, pássaros, retratos,

noites, varandas, fraturas do Líbano...

Seu ócio secreto!

Os espantos amazônicos!

Vou lendo a tarde extrema

da sua floresta interior

e o coração hermético

dos seus mistérios,

a memória não espera.

 

A vida ainda é dor,

onde deuses abrigam

lágrimas e lembranças.

 

Velho amigo boêmio,

Jorge Tufic – derradeiro

Poeta de antanho –

na ressaca deste

e de outros milhentos

silêncios.

 

Parnaíba, costa do Piauí,

14 de fevereiro de 2018.

 

Poema extraídos do livro "Rosa numinosa" (2022), de Diego Mendes Sousa.

 

terça-feira, 5 de abril de 2022

Muro de folhas, capinzal, varanda


 Muro de folhas, capinzal, varanda

e um menino a chorar pelo seu trem
pousado na vitrine, exposto ao mundo
e ao assédio dos pobres sem vintém.
Noites de insônia, lágrimas, tormentos
e o trem calado e só, frágil brinquedo
mas tão real em sua postura de aço
que ali crescera tanto e dava medo.
Muitos natais passaram com suas luzes,
milhões de trens rolaram, transformados
no desejo impossível de obtê-los.
Vagão de mim, contudo, ora deslizo
sobre os trilhos do acaso. E ainda me bato
em vão, contra este périplo insensato.