quinta-feira, 4 de outubro de 2012

AGENDA 1965



20/set

Sentado ao lado de minha mãe assistimos, juntos, ao sereno anoitecer neste bairro de Santo Antonio. Momentos raros estes, de ternura e reencontro de nós mesmos. Leio Cassiano Ricardo, Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. A velha está calma, graças a um remédio indicado pelo MFS. Freqüentemente, vou ao cinema. Combato as saúvas no barranco da rua Izabel. Nos calhambeques em que viajo do centro ao bairro e vice-versa, sinto-me aflito, inseguro. Também, pudera: cada acidente!

25/26/set.

Em Santo Antonio, por arte e obra do amor filial. Fomos de lá à praia de São Raimundo, atendendo ao convite do Jader, que tirou o domingo para beber e falar arrastado. Novas palafitas tomam conta das margens do rio, talvez uma colônia de pescadores. Um pouco além, reses abatidas, em fase de esquartejamento. Pelo contraste com a paisagem tranqüila, uma cena chocante essa do abate a céu aberto.

27/set.

Prosseguem os entreveros na Repartição. Dá pra ver o desnível com a mediocridade, o prejuízo que ele traz ao desejo de progredir. Descontaram-me a falta do dia 31-08, ameaçam designar-me substituto da Haydée Fortunato na emissão das Carteiras do Menor. Enquanto isso eu conto os dias que passam, engulo em seco e procuro abafar no silêncio os golpes recebidos. Aprendo que essa atitude aplaca as iras do inimigo, fá-lo recuar em seus propósitos agressivos. Voltarei a amar a vida, a mergulhar nas corolas da manhã recém chegada. Em casa tomo um banho de cacimba, a que fica no leito do igarapé seco, escondida pelo mato. E que se vê de nossa janela.
01/out.

Empréstimo no Banco da Lavoura para meu irmão terminar a construção do ¨ninho¨de nossos pais. Vencimento da letra: 04-01-1966. À noite, na denominada república livre do Pina, fui preso por uma patrulha da Polícia Especial do Exército, sob o comando do Cel. Ismael, que ali estava para verificar os danos do depredamento do Cyne Guarany por alguns soldados à paisana. O motivo foi de quando, ao avançarem para evacuar a praça Gonçalves Dias, eu ergui meu protesto, chegando a esboçar um murro no oficial arrogante, disfarçado em trajes civis. Do Pina me conduziram numa sinistra caminhonete à Ilha de São Vicente, e o povo engrossando a correr em nossa direção, a certa altura com a Izabel, minha mulher, liderando a passeata. Duas horas após, o General passa por cima da ordem de seu subordinado, e determina minha soltura. Retornamos todos pela rua Bernando Ramos, em apoteose.

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