sábado, 12 de setembro de 2015
POEMAS
O cachimbo
Que me diz esta pausa da fumaça
em que pito o cachimbo e, reflexivo,
descubro a geometria do incativo
e momentâneo brilho do que passa?
Crepita o fumo que se despedaça
nas brancas espirais de um touro esquivo;
nesse tempo que flui, ainda que vivo,
nada retenho e tudo me embaraça.
Esta pausa, contudo, me alivia
da carga de viver. Inutilmente?
Talvez sim talvez não. É o que me guia.
Para onde, não sei. Grato à quimera,
vou sendo a nuvem que o pitar consente,
longe da solidão que me exaspera.
Recordações da varanda
Eu tive um lar, talvez uma varanda
com árvores de fogo nos telhados;
vinham de longe os pássaros cansados
pousar em minhas mãos de ouro e lavanda.
Se o tempo rola é Deus, é Deus quem manda
que outros pássaros cantem, que outros lados
dos beirais que se foram, constelados
retornem sempre, trôpegos, de banda.
Desde Sena a Manaus, desde que morro
sei dar-me à rua, numa perspectiva
de tábuas, jarros, lágrimas, socorro.
Varanda é o céo da infância e da poesia.
Mirante ao rés-do-chão, planta cativa
do amor à terra que se distancia.
Soneto à beringela
Vi-te semente, vi-te escurecida
pela terra ociosa antes do inverno:
nas mãos de minha mãe vi-te ferida
para o recheio branco, o arroz eterno.
De vinho tinto sempre travestida,
roubando à sombra o seu luzir interno,
vejo-te ainda pendurando a vida
dos quintais numa folha de caderno.
És a pasta do luar, o aroma assado,
e ao gergelim e ao alho, esse passado
me traz de volta os pêssegos e o mosto.
Vegetativa musa sobre a mesa,
sacias com este pão, dás a certeza
de que tens cheiro, lágrimas e rosto.
Ao cão preso
Late um cão neste verso, late late
preso à casa feliz que lhe dá abrigo.
Late no verso a dor do velho amigo
que a solidão, mais do que a fome, abate.
A casa também dói: tem abacate
no quintal deste urbano desabrigo,
tem árvores também de verde umbigo
com palmeiras, sabiás, broto escarlate.
A casa na qual late o cão da tarde
sobe noturna à lua incandescente,
enquanto late o cão, que Deus o guarde.
Emudece, afinal. Da dor que cala
fica dela um vazio inconsistente
do que, em vez de latir, soluça e fala.
Anúncio
Aluga-se um velho
que já não serve para nada.
Garante-se, porém,
que ainda olha e vê.
E enquanto olha e vê
cachimba
os pedaços da noite.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário