quarta-feira, 11 de julho de 2018

JORGE TUFIC EM UM BREVE PERCURSO POÉTICO DE 1956-2000

JORGE TUFIC EM UM BREVE PERCURSO POÉTICO DE 1956-2000


Diogo Sarraff Soares (UFAM)


Quando se percorre pelo itinerário poético de Jorge Tufic,
a crítica é unânime ao afirmar que o poeta se destaca como um
dos mais ricos e de maior complexidade da literatura de expressão
amazonense, por causa da multiplicidade de temas e da variedade
de formas literárias que envolvem sua obra. Poeta que se divide
entre o universal e o regional (ALENCAR E SILVA, 2004), tem uma
poesia rigorosa, reflexiva e inquieta (PINTO, 2014), que se constitui
a partir de um rigor formal (TELLES, 2012) e pela renovação da
linguagem (PÉRES, 1974).
Jorge Tufic é um dos poucos poetas de expressão amazonense
que, em relação aos seus contemporâneos, compõe poemas que
perpassam os diversos campos existenciais e formais. Tal qualidade
faz com que seja possível uma aproximação de sua obra com a história
da literatura nacional, sobretudo, daquela que se manifestou no
Brasil a partir da segunda metade do século XX. No aspecto geral,
a obra deste poeta percorre por uma atmosfera imbuída de tradição
alternando com o espírito da novidade. Sua linguagem é feita a partir
de uma realidade subjetiva, com conotação, às vezes, espiritual,
às vezes, cética. Daí uma proximidade com a poesia brasileira dos
poetas que se firmaram após a fase heroica do Modernismo, como
Jorge de Lima, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade e
João Cabral de Melo Neto.
Foi através de viagens, denominadas caravanas, ocorridas entre
1951 e 1953, e ao lado de outros jovens do Clube da Madrugada que
não aceitavam a condição da arte e da cultura da região, que Jorge
Tufic partiu em busca do confronto com a cultura e a literatura do
Sul do Brasil, a fim de ultrapassar a retrógrada cultural local. Esse
movimento em direção ao Rio de Janeiro promoveu muitos aprendizados
em torno da arte e da literatura, resultando nas diretrizes que
nortearam o Clube da Madrugada, enquanto movimento revolucionário
responsável pela reformulação da linguagem literária e das
demais expressões artísticas no Amazonas. Serviu também para que
Tufic aprimorasse suas convicções em torno da literatura e atingisse
outros níveis de experimentação na composição de sua obra.
Este texto procura esquematizar um itinerário para a poesia
de Jorge Tufic, um dos fundadores do Clube da Madrugada e um
dos poetas coadjuvantes da construção de uma identidade literária
da expressão amazonense. O trabalho se estrutura a partir de
uma divisão em três fases, sempre evidenciando o caráter múltiplo
e plural que sua poesia possui, desde a segunda metade da década
de cinquenta até os primeiros anos do século XXI. Para isso, faz-se
necessário a enumeração de seus livros líricos, os quais são apresentados
em ordem de publicação, provocando a reflexão em torno de
uma obra que mesmo com sua relevância anunciada pelos leitores e
pela crítica, ainda é pouco lembrada nas academias e universidades
brasileiras.
De 1956 a 1974: um percurso entre a tradição e a experimentação
Os leitores que já realizaram apreciações críticas em torno da
obra de Jorge Tufic asseguram que de 1956, ano de sua estreia na lírica
com Varanda de pássaros até 1974, período em que publica Faturação
do ócio, a obra do poeta se encontra em estágios de constantes
transformações. Por incrível que pareça, o intervalo entre a primeira
e a quarta obra constitui-se de 18 anos, idade que normalmente
representa maioridade e mudanças. No entanto, este autor adverte
que a obra do poeta emergiu na década de cinquenta já em um estágio
maduro e que deste este período até 1974 organiza-se em um
percurso constituído por tentativas e experimentos que variam no
uso de técnicas da tradição e da experimentação no ato de criação,
cujo resultado consiste em quatro livros: Varanda de pássaros (1956),
Pequena antologia da Madrugada (1958), Chão sem mácula (1966), Faturação
do ócio (1974).
O livro intitulado Varanda de pássaros, por meio do qual o poeta
é reconhecido pela crítica nacional, foi publicado inicialmente dois
anos após a inauguração oficial do Clube da Madrugada como agremiação
responsável pela reformulação da literatura do Amazonas,
na segunda metade do século XX. No entanto, este livro apresenta

poemas, cuja forma se insere em tendências tradicionais do que
executa a inovação preconizada pelo grêmio. O ideal de retorno
à tradição, nesta primeira publicação, é resultado de estudos que
o autor fizera em torno da poesia clássica e representa o início da
diversidade de sua obra. Com este livro, o autor surge como um
poeta com características parnasianas, demonstrando afeição pelo
soneto e dedicação às métricas regulares, aos versos decassílabos e
às redondilhas, às rimas tradicionais do poema, à subjetividade da
palavra, à eternização do tempo e das situações do cotidiano, ao
emprego de temas de caráter nacionalista, como o mito e a alusão
ao verde da Amazônia. Sobre este livro, Benedito Nunes registra:
O livro assinala uma poesia versátil, sedutora, mas que não se
caracteriza por essa fácil exuberância que constitui quase uma
praxe na afirmação dos jovens talentos. Possui riqueza contida
e propensão geométrica à disciplina da forma (NUNES, 2005,
p. 61).
Benedito Nunes diz que o livro em questão apresenta poemas
que, embora sedutores são versáteis e anuncia que o poeta emerge
na literatura com uma obra ajustada, já madura e cuja multiplicidade
se encontra na riqueza contida na palavra e na disciplina formal.
A versatilidade do livro é evidente porque além de apresentar uma
vertente tradicional, o autor se insere como um agente da linguagem,
tratando, por este lado, de temas metalinguísticos a ponto de
chegar à reflexão da existência e trajetória da vida humana.
Se Varanda de pássaros concebe um escritor que toma partido
das tendências da poética clássica, seus poemas publicados em Pequena
antologia da madrugada, de 1958, promovem a preservação de
tais disposições com algumas outras alusões à expressão clássica. O
livro, que reúne alguns textos em versos dos primeiros membros do
Clube e que representa a consolidação do movimento, expõe um
Tufic ainda mais aplicado ao soneto, mas que passa a investir em
outras formas clássicas, como a ode. Assim como os alguns outros
escritores da Madrugada, ele se firma como o poeta das formas fixas,
sendo esta a primeira marca de sua versatilidade. Sobre esta
afirmação, Padre Nonato Pinheiro comenta:
Cada nova manifestação dos clubistas era uma explosão e afirmação

de pujança, de rigor, de vitalidade. Da fase sonhadora
mesclada talvez de certa indisciplina, compreensível nas instituições
nascentes, passou-se às fases das definições, no encalço de
uma disciplina e de um roteiro (PINHEIRO, 2017).
Em Pequena antologia da madrugada, Tufic permanece na sua disciplina
quanto às formas clássicas e continua a oferecer um espaço
ainda maior para a inovação em sua escritura, arraigando-se como
o profissional da linguagem que tem consciência de sua função no
texto através da metalinguagem, dando destaque ao metapoema, ao
soneto, que agora adquire a forma shakespeariana, e a ode que exalta
outros poetas, dedicando-lhes poemas.
A terceira obra de Jorge Tufic se intitula Chão sem mácula e foi
publicada em 1966, dez anos após o lançamento do seu primeiro
livro. A obra compreende, além das marcas da vertente tradicional
anteriormente estabelecidas, outro aspecto proeminente, consiste
na inovadora configuração de sua escritura e que é capaz de conceber
valor determinante aos poemas do livro. O soneto e as outras
formas poéticas passam a utilizar uma dicção sucinta, realizada através
de poucas palavras e versos, em que a significação poética se
constitui por meio da sugestão. Sobre este elemento empreendido
no terceiro livro, Jeferson Péres comenta:
O que importa é a substancia, o conteúdo poético, expresso pela
linguagem renovada, pelo vocábulo revalorizado, que ultrapassa
o sentido meramente gramatical, para adquirir a grandeza de
símbolo. É o abandono da forma discursiva, que muitas vezes
não passa de prosa rimada e metrificada. A verdadeira poesia é
emoção pura, mais sugere do que diz (PÉRES, 1974).
O intervalo que existe entre Varanda de pássaros e Chão sem mácula
permite assegurar a existência das grandiosas diferenças entre a
primeira e a terceira publicação. Neste último livro, o poeta investe
um pouco mais em recursos que desviam as formas padronizadas
pela poética clássica, fazendo com que seu poema se torne, além de
versátil esteticamente, mais breve e cheio de significado. A escritura
do poeta passa a ter em definitivo uma conotação modernista, através
da qual se realiza experimentos de acordo com as tendências de
vanguarda, como o surrealismo e o concretismo.
Já em Faturação do ócio, a quarta obra poética de Jorge Tufic,

publicada em 1974, pode-se dizer que através dela, o poeta chega
ao apogeu de sua postura modernista e da efetivação da sua visão
concretista da arte. É verdade que a parte final do livro se apresenta
ainda sonetos na forma shakespeariana, com rimas tradicionais e
versos regulares, mas também é apropriado assinalar que um fato
inédito está presente no livro como uma realidade que ultrapassa
as medidas habituais da obra do poeta: a experimentação baseada
no concretismo e na teoria do poeta em torno da Poesia de Muro.
Sobre a obra, Luiz Ruas escreve:
Podemos dizer, agora, que Tufic, está em pleno mar. Em “Faturação
do ócio” descobrimos um navegador experimentado, seguro
de si mesmo, governando com mãos firmes o leme de sua nave,
conhecedor de todos os perigos que se escondem nos caminhos
sem rastros dos altos mares (RUAS, 1974, p. 17).
No geral, o livro Faturação do ócio adota a identidade de uma
poética verbal em cujas composições os recursos visuais são combinados
com recursos sonoros, como se nota no poema
Ode
Campo
Bode (TUFIC, 1974, p. 88).
Em que uma paisagem bucólica é desenhada através de três palavras,
que constituem os versos do poema. Admitindo esta característica,
que está conectada aos postulados da Poesia de Muro, o livro
possui caráter crítico e de manifesto, ou de caráter Murifesto, como
diz o próprio escritor. A linguagem literária é alvo de objeções, tornando-
se artifício de sua própria crítica. Com este livro, o poeta diz
que a linguagem poética reformulada e todas as artes que desconstroem
os sistemas tradicionais também têm valor estético. Inclusive,
a primeira e única edição do livro se estrutura através de uma reedição
na parte inicial de seus três livros anteriores, organizados de
maneira cronológica, apresentando em seguida poemas inéditos, os
poemas concretistas e, por fim, o segmento que dá título ao livro.
Portanto, de 1956 a 1974, a obra de Jorge Tufic tem como traços
fundamentais a multiplicidade, a maturidade, a versatilidade, mutabilidade
e sua poesia é breve e reflexiva, fala sobre questões existências
e metafisicas, e eterniza o cotidiano através de um percurso que

vai da tradição à experimentação. Quase nenhum outro poeta do
Clube da Madrugada percorreu, assim como ele, os caminhos opostos
da tradição e da experimentação quase que simultaneamente. A
multiplicidade que permeia a obra de Tufic se desenvolveu desde a
primeira publicação, sendo que em Varanda de pássaros, o poeta se
deteve mais para o extremo da tradição, e em Faturação do ócio, mais
para o da inovação, sendo, assim, uma via de mão dupla: o poeta se
dedicou às formas fixas, mas também aos poemas concretos; inspirou-
se na tradição e também deu vez à inovação; valorizou e métrica
e também o verso livre.
A década de oitenta e a fase regional de Tufic
Tendo se firmado, por um lado, como um poeta parnasiano,
amante da forma e dos recursos clássicos e, por outro, como um
dos participantes do progresso cultural através da renovação da
linguagem literária e do manifesto que foi a Poesia de Muro, Jorge
Tufic dá sequência ao seu trabalho cuidadoso de criação poética,
estabelecendo-se na década de oitenta em um estilo mais distante da
renovação e das tendências modernistas, mais próximo da tradição
mitológica e das alusões aos elementos regionais. Neste período,
as reuniões do Clube da Madrugada eram menos frequentes e as
tendências literárias que estavam em voga, na segunda metade do
século XX, já perdiam sua força. Por esse motivo, os anos oitenta
constituíram um momento em que a produção poética tuficquiana
se moveu do espírito modernista para a valorização, às vezes, do universal
e, às vezes, da cor-local, como destaca Alencar e Silva quando
trata desta época no itinerário da obra de Jorge Tufic.
Diria, pois, que, enquanto uma das faces se caracteriza difusamente
pelo universal ou pela ausência de cor-local, a outra se
identifica precisamente por este último atributo, isto é: pela importância
que o imaginário amazônico viria a representar na
obra do Poeta (ALENCAR E SILVA, 2005, p. 10-11).
A década de oitenta já começa com um fato expressivo para o
Amazonas e para a poesia de Tufic, que terá características regionais
e, posteriormente, relação com as outras artes, principalmente
com a música. No dia primeiro de setembro de 1980 na Praça do
Congresso, o governador José Bernardino Lindoso profere um dis
curso a respeito do lançamento oficial do Hino do Amazonas, de
autoria de Jorge Tufic. O hino é resultado de um concurso público
e revela marcas poéticas ufanistas de exaltação à beleza natural, à
população e à cultura da região. Conforme o governador José Lindoso
(2015), “o Hino traz, entranhado nas suas expressões, na sua
sublimidade, esse sentido profundo da harmonia de civilização que
vamos construir com a própria natureza”, isto é, a poesia de Tufic
indica a emancipação do homem amazonense através da grandiosidade
do próprio ambiente em que vive. Em outro trecho, o governador
completa:
É a floresta que vai nos ensinar, também, ao sopro dos ventos
e no vigor dos ramos, na beleza das flores e no canto das aves,
que seremos grandes quando soubermos ser grandes pelo
amor à natureza, pelas responsabilidades com a sociedade e
pelo pensamento eterno de que o Amazonas é grande (LINDOSO,
2005).
O Hino do Amazonas consiste em um canto que celebra as
conquistas da pátria amazonense, cuja música é do maestro Cláudio
Santoro. O hino retrata a gênese deste povo, que ocorreu a
partir de um passado obscuro, marcado por lutas e vitórias. Em seguida,
fala do presente, cujas batalhas já tiveram fim, mas a atitude
de luta e o sentimento de esperança são costumes que continuam
entranhados no povo. O hino ainda exalta o verde da floresta, a
riqueza das matas, a vida das aves e o brilho dos rios, é a primeira
expressão de uma fase que valoriza os elementos regionais, na poética
de Jorge Tufic.
Ainda em 1980, dando sequência à fase de valoração de temas
de cunho regional e do imaginário amazonense, o poeta publica Os
mitos da criação e outros poemas, livro em que se dedica também a uma
mitologia elementar através de um estilo particular. Este livro se
compõe, principalmente, de uma série de poemas que tratam da mitologia
antiga, tendo como alguns dos títulos os poemas “Khnun”,
“Zoroastro” e “Pã”, que se reportam, respectivamente, às mitologias
egípcia, persa e grega. No entanto, no livro o poeta também invade
o mundo do imaginário amazonense, além de subscrever poeticamente
os mitos da era tecnológica e de situações protagonizadas por

seres que se ocultam nos fatos e nas coisas do quotidiano
Este livro consiste em uma fração da vertente tradicional e da
face regional de Tufic porque se volta, sobretudo, a temas da tradição,
mas também à mitologia amazonense, embora os poemas se
estruturem formalmente em um estilo particular e não se configurem
como os modelos canônicos. Por causa disso, o poeta rompe
aí com as intenções clássicas, pois os poemas não se apresentam
mais através das formas fixas e por meio de métrica regular, mas
sim através das formas diversificadas, do metro livre e verso branco,
que esboçam seres fantásticos do imaginário ancestral e amazônico.
Como diz Márcio Souza (1980), este livro é a invenção de Orfeu
do poeta Jorge Tufic, em que os seres mitológicos são combinados
numa poética sem moldes ou regras.
Em 1982 é publicado Oficina de textos, livro de poemas em tabloide,
cujo suporte é para Jorge Tufic um “livrornal”, uma preferência
de publicação alternativa para os livros de poemas do autor. Os tabloides
do poeta demonstram evolução em suas publicações, mas
hoje em dia o acesso aos originais é difícil. Neste, o poeta dá sequência
à sua escritura variada e pessoal, a qual não se liga às regras e
convenções de escolas artísticas. Em uma pesquisa de Rafael Alauzo
Santo Nicola, publicada na homepage intitulada JORGETUFIC, de
2008, o pesquisador fala sobre Oficina de textos:
Com efeito, é difícil identificar nele qualquer influência de modas
ou de autores. Sua linguagem é pessoal, seus temas são vários
e o conteúdo de sua mensagem é uma crítica permanente à
lógica e às regrinhas insossas do mundo em que se vive, quando
não um motivo para o canto, na justaposição das metáforas e no
desabafo marginal (NICOLA, 2008).
Quase no final da década de oitenta, no ano de 1987, parte
da obra de Jorge Tufic é publicada em um volume único, cujo título
é Poesia reunida. O livro apresenta uma reunião de onze livros
de poesia do escritor, dentre os quais, há um inédito, denominado
“Carta genética”, que compõe o segmento final do volume. Neste
livro, observa-se o panorama de uma obra multifacetada por causa
de uma lírica intimista, que trata de temas variados, como a metafísica,
a metalinguagem, com traços regionais, entre outros, através de
formas ligadas às regras clássicas ou distantes delas, como pontua a
professora Socorro Santiago

Assim é que Jorge Tufic [...] não teve receio de enveredar pelos
caminhos difíceis de uma temática que abrange desde os assuntos
prosaicos do cotidiano, até as elucubrações de ordem metafísica,
detendo-se, muitas vezes, em profundas reflexões sobre a
razão de ser e o mistério da existência humana, sem rejeitar a
temática de cunho regional (SANTIAGO, 1987, p. 11-12).
Além de propor uma poesia menos sujeita às prescrições de
reformulação da linguagem literária dos modernistas, a década de
oitenta também trouxe para a obra de Jorge Tufic uma poesia voltada
à região e a maior liberdade para se testar as possibilidades
particulares, mais soltas dos estilos de épocas específicos, cujas perspectivas
acabaram acrescentando aspectos em uma obra que já era
múltipla. Este regionalismo de Jorge Tufic é tradição, quando o poeta
busca a mitologia, ainda que sejam os mitos antigos, não só os do
imaginário amazonense, para falar sobre a criação, os deuses e os
seres fantásticos e também quando sua escritura é ufanista. Em contrapartida,
é experimentação quando, rompendo com as tendências
formais predefinidas, ainda que seja a definição dos valores do poema
para os modernistas, o poeta se desliga das escolas literárias,
compondo uma escritura de estilo próprio.
Fins do século XX e início do século XXI: uma fase
pós-modernista
Tendo se utilizado dos principais extremos da composição poética,
a tradição e a experimentação, desde a sua estreia na literatura,
passando em seguida para uma fase regional, o poeta Jorge Tufic
esboça, da década de noventa até os anos 2000, breves sinais da
literatura pós-modernista e um retrospecto de tudo o que já havia
apresentado em sua poesia desde a década de cinquenta. A multiplicidade,
a metafísica, a síntese, o olhar eterno e reflexivo em torno
do tempo e do espaço, o soneto e a ode são alguns dos elementos e
formas que retornarão à prática poética do escritor, cuja obra procurará
tematizar alguns valores concebidos pelo pós-modernismo e
servirá para afirmar a qualidade estética de uma obra que desde o
início emergiu com maturidade, pluralidade e peculiaridade.
Na década de noventa, o primeiro livro lírico de Jorge Tufic a


ser publicado foi Retrato de mãe, cujo lançamento ocorreu, em 1995,
em Fortaleza, cidade onde o poeta ficou-se desde o início desta década,
quando se aposentou do funcionalismo público em Manaus.
O livro consiste em um a reunião de quinze sonetos, sob a forma
shakespeariana que evocam a imagem de Dona Faride Awayjen Alaúzo,
mãe do poeta. Tendo sua genitora como única inspiração para a
composição de desta obra, em uma tentativa de se desenhar o perfil
de tal personagem, o poeta percorre por variadas temáticas, desde
o saudosismo e a nostalgia, até o louvor e o lamento, atitude que
poderia torná-lo piegas. Mas não é isso o que ocorreu, como ressalta
Rogel Samuel em sua leitura da obra:
Mas Jorge Tufic é um poeta excepcional, e não foi piegas: com
que realizou sua obra-prima, sonetos pós-modernos em que ele
traça o perfil, o “Retrato de mãe”, sua verdadeira mãe, ou da
personagem mãe (SAMUEL, 2012, p. 15).
Na verdade, este livro não tem finalidade de exprimir novidade
quanto à forma, muito embora tenha traços pós-modernistas, conforme
a análise de Rogel Samuel. Apesar de expressar um sentimento
melancólico devido à ausência de sua mãe, no livro o poeta revela o
cuidado e proteção que dela recebia e, por isso, torna engrandecida
esta personagem. Desta forma, o escritor questiona a importância
de representantes da família e dos papéis dos familiares em uma
década em que existe indiferença dos cuidados dos pais.
Se, na década de oitenta, o poeta suspendeu sua dedicação à
composição de sonetos, na década de noventa, este devotamento
reaparece. Em Retrato de mãe o soneto ressurge não mais para imbuir
os valores da tradição, mas para autenticar a característica multifacetada
do poeta e o seu amor pela forma fixa. Na publicação
subsequente, em Sinos de papel, de 1998, a dedicação do poeta à
forma tem continuidade, no entanto, através da composição de haicais.
Neste livro, o escritor apresenta cinquenta haicais previamente
selecionados que se estruturam, em sua grande maioria, a partir da
forma tradicional do pequeno poema nipônico, isto é, uma estrofe
com dezessete sílabas distribuídas em três versos, com cinco sílabas
no primeiro, sete no segundo e cinco no terceiro verso.
Aclamado pelo poeta Marco Antônio Rosa por causa de sua
obra caracterizada por múltiplas facetas, a qual agora revela um


“afinado haicaísta” (ROSA, 1998), em Sinos de papel, o poeta Jorge
Tufic não trata apenas das quatro estações do ano, mas também da
arte oriental, do tempo, das mulheres e de uma eloquente temática
erótica. No livro, há poemas que foram produzidos desde a década
de cinquenta, os quais representam a contribuição do autor para o
desenvolvimento da poesia nipônica em língua portuguesa, pois utiliza
diversos aspectos da arte oriental, em seu livro de haicais.
Já em 1998, quase no final da década de noventa, o poeta publica
A insônia dos grilos, livro no qual são evidenciadas as verdadeiras
qualidades de técnica e de expressão poética de um exímio poeta
brasileiro. Conforme Alencar e Silva, neste livro predomina
o estado de permanente vigília em que o Poeta se mostra mergulhado,
de modo a ampliar lhe a capacidade de captação do que
ocorre a nossa volta, como à volta do mundo, de um girassol ou
de uma estrela (ALENCAR E SILVA, 2004, p. 12).
Por este motivo, o leitor de Jorge Tufic se depara novamente
com circunstâncias do dia a dia a partir do olhar filosófico do poeta
que consegue fazer conhecer o conteúdo de sua abstração através de
técnicas que produzem uma viva sensação de deleite e admiração.
O último segmento deste livro, intitulado “Odes ao que não passa”
se constitui de dez odes nas quais o poeta se apropria do tempo
ou das situações que passam pelos seus olhos para eternizá-los em
formas poéticas. Neste livro, segundo Alencar e Silva, “há [...] a contemplação
e o discurso das coisas que não passam, desde sempre
fixadas nas retinas humanas” (2004, p. 12), como, por exemplo, a
evocação que circunda o mistério que confronta com as origens do
próprio nome do escritor e a celebração das lembranças acerca dos
bares por onde esteve e que ainda estão guardadas em sua memória.
O último livro de Jorge Tufic publicado no século XX chama-
-se Poema-coral de abelhas, lançado em 1999, o qual, ao lado de Sinos
e Papel e de A insônia dos grilos, incorpora-se ao patrimônio lírico
da literatura brasileira e rendeu ao poeta uma menção Especial da
Academia Mineira de Letras, em 2001, e o prêmio Ascenso Ferreira
de Poesia do Nordeste e o primeiro lugar em poesia no Concurso de
Literatura do Ideal Clube de Fortaleza, ambos em 2004.
No Poema-coral de abelhas, há dois sonetos autobiográficos, o primeiro

abre, o segundo fecha o livro, em cujo intervalo entre os dois
se estabelecem poemas que se constituem pela preponderância da
brevidade e da síntese, como os haicais do livro anterior. Sobre a
obra que encerra as publicações de Tufic, no século XX, Alencar e
Silva comenta:
A essa altura [...], justo é que o saudemos como um dos paladinos
da renovação aqui operada e partir dos anos cinquenta, mediante
a postulação de uma nova mentalidade e de novo modo
de ver e viver o fenômeno da criação poética (ALENCAR E SILVA,
2004, p. 14).
Talvez nisto consista a combinação do soneto com formas poéticas
mais breves no livro que marca o encerramento das publicações
de Tufic no século passado: o resumo de uma concepção poética
que começou na década de cinquenta em Manaus e se caminhou
para Fortaleza sempre alternando entre os valores da tradição e os
valores da inovação.
Já no século XXI, o poeta Jorge Tufic lança outra obra dentro
desta perspectiva de combinação de variados elementos poéticos
que se determinam nas vertentes tradicionais e inovadoras, publicando
o livro Duetos para sopro e corda, no ano de 2000. O livro consiste
em uma reunião de 27 sonetos com 27 poemas de formas livres
e contém um segmento intitulado de “Retrospectiva”, que consiste
na terceira parte do livro, na qual se encontram poemas com tendências
concretistas e de livre criatividade do autor. Estes poemas,
embora sejam inéditos, foram escritos de 1956 a 1966, período do
auge do Clube da Madrugada.
Por um lado, a crítica louva o autor e recebe esta obra sob
a ótica da pluralidade. Para o poeta Francisco Carvalho (2008),
este livro “confirma as inegáveis virtudes literárias do poeta em
sua relação com a pluralidade do universo lírico.” Por outro lado,
seus leitores compreendem o caráter duradouro e metafísico que
é incorporado aos seus poemas. Para Dimas Macedo (2017), “a
poesia de Jorge Tufic [...] aspira a um registro do transcendente e
do eterno, abrindo uma proposta nova no seio da arte literária de
hoje, que se quer assim tão racional e cerebrina” e tão atual, conforme
as observações deste autor neste breve percurso poético do
escritor de Varanda de pássaros.

Ainda que, na década de noventa, o poeta Jorge Tufic resgate
sua inclinação pela forma fixa, apresentando em um livro os haicais
como novidade em sua obra, e em outros voltando a utilizar o soneto,
alguns dos quais foram escritos ainda na década de cinquenta,
os livros do escritor publicados, entre os anos de 1990 até 2000,
atribuem um aspecto pós-modernista para a sua obra, tendo em
vista que através da linguagem poética o autor passou a questionar
o papel da família e os seus valores dentro de uma sociedade insensível.
Desta maneira, este caráter pós-modernista enriquece a obra do
poeta, atualizando-se em temas contemporâneos e contrastando-se
com a sua poética clássica da época do Clube da Madrugada.
Breves considerações finais
Através de um breve percurso poético, o autor deste trabalho
observa, com a ajuda da crítica que já leu e analisou a obra de Jorge
Tufic, que esta pode ser dividida em três fases: a primeira consiste
na fase de consolidação, que vai de 1956 a 1974, a qual é definida
inicialmente pela tradição e, depois, pela experimentação, e muito
ligada às prescrições do Clube da Madrugada que visavam à reformulação
da literatura amazonense; já a segunda compreende a década
de oitenta e é caracterizada pelo distanciamento dos extremos
tradição-experimentação, bem como das tendências vanguardistas,
e na qual o poeta apresenta intenções regionais, ufanismo e exaltação
de elementos locais; por fim, a terceira fase abrange a década de
noventa e o primeiro ano do século XXI, período em que o poeta,
apesar de estar morando Fortaleza, resgata valores concebidos e poemas
produzidos na década de cinquenta quando ainda morava no
Amazonas e traz como novidade atributos pós-modernistas.
Já são mais de sessenta anos desde o lançamento de Varanda de
pássaros, mais de quatorze livros de poemas publicados, dentre os
quais onze foram enumerados neste trabalho, o que já rendeu ao
poeta Jorge Tufic inúmeros prêmios, homenagens, elogios e louvores
da crítica e, principalmente, o reconhecimento em nível mundial.
Ora, o poeta tem seu nome inserido em diversas antologias,
como A Nova Poesia Brasileira, organizada em Portugal por Alberto
da Costa e Silva, e A novíssima Poesia Brasileira, de Walmir Ayala. Por
isso, não se pretende, aqui, tomar nenhuma conclusão que não seja

passível de acréscimos, pois os livros analisados consistem em ape
nas uma parte da obra do escritor, que engloba também uma série
de contos, crônicas, novelas e ensaios publicados. Por esta razão,
a divisão aqui realizada tem finalidades didáticas apenas, uma vez
que a essência da obra tuficquiana consiste na multiplicidade, pois
o poeta é versátil e, deste modo, compõe uma obra-prima que se
transforma a todo momento em conteúdo, forma e estética, como
ficou bem evidente em todas as etapas. Além disso, o poeta ainda
está vivo e atualmente vive próximo da literatura cearense que está
altamente em movimento. Por causa disso, a única conclusão que o
autor deste texto chegou é que ao estudar a poesia de Tufic é importante
considerar a obra como um percurso aberto ou um caminho
por onde ainda se peregrina.
Referências
ALENCAR E SILVA, Joaquim de. Jorge Tufic: as tendas do caminho. Fortaleza, CE:
Coleção de Textos da Madrugada. Vol.3. 50p.
CARVALHO, Francisco. “Livros, plaquetes e tabloides publicados”. In. TUFIC, Jorge.
Curriculum vitae. 2008. [Entrevista e pesquisa de Rafael Alauzo Santo Nicola].
Disponível em: http://jorgetufic.blogspot.com.br/. Acesso em: 17 abr. 2017.
JOSÉ LINDOSO (Amazonas). Secretaria de Cultura de Amazonas [Org.]. Trecho
do discurso do governador José Lindoso. Disponível em: http://bv.cultura.am.gov.
br/?m=discurso-hino. Acesso em: 13 abr. 2017.
MACEDO, Dimas. Duetos para sopro e corda: descrição. 2017. Disponível em:
http://www.premiuseditora.ind.br/index.php?route=product/product&product_
id=154. Acesso em: 24 abr. 2017.
NICOLA, Rafael Alauzo Santo. “Livros, plaquetes e tabloides publicados”. In. TUFIC,
Jorge. Curriculum vitae. 2008. [Entrevista e pesquisa de Rafael Alauzo Santo
Nicola]. Disponível em: http://jorgetufic.blogspot.com.br/. Acesso em: 17 abr.
2017.
NUNES, Benedito. “Apresentação à primeira edição”. In: TUFIC, Jorge. Varanda de
pássaros. Organização: Tenório Telles. 4ª edição. Manaus: Editora Valer/Governo
do Estado do Amazonas/Edua/UniNorte, 2005, p. 59-64.
PÉRES, Jeferson. In: TUFIC, Jorge. Chão sem mácula. Manaus: Edições Madrugada,
1997.
PINHEIRO, Nonato. Clube da Madrugada. Disponível em: https://www.
facebook.com/1741769229380105/photos/a.1741828196040875.1073741828.17
41769229380105/1779990692224625/?type=3&theater Acesso em: 5 de abril de
2017.
PINTO, Zemaria. Ensaios ligeiros. Manaus: Governo do Estado do Amazonas – Secretaria

de Estado e Cultura, 2014
ROSA, Marco Antônio. [Comentário na quarta capa do livro]. In: TUFIC, Jorge.
Sinos de papel: haikais. Fortaleza, 1998.
RUAS, Luiz. [Apresentação do livro Faturação do ócio]. In: TUFIC, Jorge. Faturação
do ócio. Manaus: Edições Fundação Cultural do Amazonas, 1974. (Coleção Pindorama.
Temas de Literatura Brasileira, 5), p. 15-18.
SAMUEL, Rogel. Fios de luz, aromas vivos: leitura de “Retrato de Mãe”, de Jorge
Tufic. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2012.
SANTIAGO, Socorro. “Um poeta da geração da madrugada”. In: TUFIC, Jorge.
Poesia reunida. Manaus: Puxirum, 1987.
SOUZA, Márcio. Os mitos da criação e outros poemas. In: TUFIC, Jorge. Varanda
de pássaros. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
TUFIC, Jorge. Faturação do ócio. Manaus: Edições Fundação Cultural do Amazonas,

1974.

Nenhum comentário:

Postar um comentário