SONETO PARA MORGIANA, A SERVA Sem ti, Morgiana, de que vale a senha, moedas de ouro, alforjes bem recheados desses maravedis antes roubados por 40 ladrões de alma ferrenha? Ali Babá só transportava lenha sobre burricos velhos, maltratados; mas abriu-se a caverna – aqueles brados! e a seus pés a fortuna se despenha. Sem ti, porém, Morgiana, o que seria de minha casa assinalada a giz, dos potes onde a lâmina sorria? Com certeza, Morgiana, vale pouco a riqueza sem olhos, e o que fiz juntado ao que fizeste é um sonho louco.
OS OLHOS DE MAI (*) Os olhos! Não te deslumbram os olhos? Todas as cores guardam no que são. Eis que evocam perigos, sedução, perfis estranhos, canforados óleos. Íris que lembram múltiplos infólios, olhos azuis, que imóvel solidão! Olhos negros, etéreos, mansidão daqueles que rastejam feito abrolhos. Todos os olhos sondam, ardem, pensam, muitos encerram cofres de segredo, perguntam, tiranizam, recompensam. Queres ver-te no espelho? Vai-te a esmo. Mas se quiseres ver-me, não tem medo: olha em meus olhos; busca-me em ti mesmo. (*) Mai (pseudônimo de Maria Zlady), poetiza árabe contemporânea, autora desse poema traduzido, em forma prosaica, por Mansour Challita.
Trajetória de sombra dispersada Das mãos lhe escorre o tempo que sonhou. Quantas almas possui na alma pisada? Qual dentre todas a que mais amou? Seus passos abrem sulcos de alvorada. Por estrelas errantes se enredou. Onde a sua face ausente procurada E as ilhas de além-mares que fundou? Máscara leve lhe recobre a fronte. (O silêncio por trás constrói o mito) Traz nos ombros a sombra do horizonte. De fundas cicatrizes cava o mundo. E, sendo humano, um pouco de infinito Guarda no peito como em céu profundo. TUFIC, Jorge. Varanda de Pássaros. Manaus: Valer, 2005. p.21