
Leitura de “Retrato de mãe” de Jorge
Tufic
Rogel Samuel
É um tema banal, popular, vulgar. A mãe,
já tão gasto motivo dos cadernos poéticos e saudades, pois todos nós tivemos ou
temos a mãe a saudar, a lembrar, a louvar, a chorar.
Mas Jorge Tufic é um poeta excepcional,
e não foi piegas: com que realizou sua obra-prima, sonetos pós-modernos em que
ele traça o perfil, o “Retrato de mãe“, de sua verdadeira mãe, ou da personagem
mãe.
O livro todo está no blog
O pequeno livro é uma obra-prima em
quinze sonetos. E começa por uma invocação.
- Venham fios de luz, aromas vivos
misturar-se
às palavras, à centelha
do
louvor mais profundo deste filho
que
se depura e sofre com tua ausência.
Venha
o trigo do Líbano, a maçã
de
que tanto falavas; venha a brisa
tecer
mediterrânea esta saudade
que
vem de ti quando por ti me alegro.
Que
venha a primavera, saturando
vales,
planícies, colorindo os montes,
noites
de luar caiando os muros altos.
Venha
a pedra da igreja onde ficaste
quando
em febre te ardias. Venham lírios
rebrotados
de ti, dos teus martírios
O que lemos aí é a invocação de um sabor
(de um saber), de um elemento gustativo, a maçã, o trigo, me o visual, fios de
luz, e o táctil elemento do vento, e os aromas, a paisagem, a planície, os
montes e as noites, a pedra, a febre, o martírio.
É a invocação.
Venham fios de luz para tecê-la, aromas
vivos para senti-la, às palavras do filho descrevê-la, proclamá-la, proferi-la.
Ler é nomear sentidos, fazê-los funcionar,
dar-lhes corda, os sentidos estão e/ou partem dali. Ler é um ato de mobilidade,
de por em movimentação os sentidos. Mas não todos. Não há um todo,
um limite. Por isso, diz Barthes, o esquecimento
crítico é um valor do texto, haverá sempre sentidos esquecidos, nunca se
poderá reunir todos os sentidos na arena da rigidez de uma grelha analítica.
Na filosofia se
definem falar e dizer, num certo sentido: O falar remete ao falante, o dizer remete
as coisas mesmas ditas.
O poeta profere o “nome da mãe”,
invoca-a. Invocada, a mãe começa a delinear-se, começa a aparecer, vem em
fragmentos, pouco nítida, mas forte,
sentida, ou pressentida, sim, começa ele a pintar o retrato interno da
dulcíssima Mãe, mãe-primavera, mão dos vales, planícies e que logo todos nós
assumimos como nossa, e quem consegue falar da própria mãe morta sem tornar-se
piegas? Conjuntamente, nossa mãe síntese-simbólica, Fonte, semente e nome de nossa vida, que tudo
nos deu. Tema freudiano, pois. Abismo psicológico.
No segundo soneto aparece D. Ramón Angel
Jara, Bispo de La Serena, Chile, citado no texto, onde há citações,
pós-modernidades.
O autor aí diz: “Calma, não chore, é apenas
literatura”.
A descrição, o retrato começa pelos
cabelos, tranças, a voz, a lembrança. A fonte do pão, do leite, da flor, do fruto. Mãe que é
para “amar depois de perder”, como no verso de Drummond. Na verdade, Tufic só
de lembrá-la um soluço arrebenta-nos a crítica.
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