quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A paisagem do instante na poesia de Jorge Tufic

A paisagem do instante na poesia de Jorge Tufic
O livro Dueto para sopro e corda (Edições do autor, Fortaleza, 2000) do poeta Jorge Tufic, acreano de origem árabe e atualmente radicado no Ceará, para além de qualquer maniqueísmo reduzicionista, se apresenta como uma feliz síntese entre o tempo e o espaço numa nítida celebração ao fugaz, ao inapreensível, em consonância com aquilo que Drummond dizia ao antológico poema “Memória”: Mas as coisas findas/muito mais que lindas/essas ficarão.
        A obra constituída em três partes, denominadas de: sonetos, poemas e retrospectiva, vai desde adoção do soneto, demonstrando uma excelente domínio das formas fixas e das rimas quer sejam perfeitas toantes ou mesmo versos brancos, até um certo experimentalismo vanguardista, meio que pós-concreto e de um tom aproximado da poesia visual.
        Todavia, a tensão, digamos que fulcral do livro, e acionada entre os lócus, eleito e evocado pelo escritor, constituído de miudezas de brevidades, no qual acendra-se o olhar na descoberta do óbvio, para usar uma acepção cara a Darci Ribeiro, em cujo corpo a sutileza e rompe aferindo o caráter literário, epifânico.Como uma “frágil manhã que os pássaros celebram/e só dura o instante de uma estrela”.No qual a imagem preside a competência de fazer poético, em contraposição a um cronos curvado à desesperada perspectiva de finitude a qual, faz-nos ainda mais precários, de modo que a poesia funciona com a cristalização do efêmero, para, por conseguinte, tornamo-nos eternos, ainda que no mínimo espaço interacional da leitura. Sangrando-o mesmo no cerne de sua graça, como nestes versos: “Que somos nós? Tutores desses ventos/breve fulgor, insólito perfume./ Celebrar  esse instante era costume/ sob as copas de bosques sumarentos (...)”
        O próprio título do livro, a nosso ver, já emblematiza essa conjugação entre o infinito e o fugaz. O sopro, remete à vida, a fábula judaico-cristã da criação diz que a vida surgiu do fôlego, a partir do qual o homem formou-se em espírito vivificante. Já o ponteado das cordas, bem propício às ambiências transitoriamente boêmias, ainda segundo nossa percepção de todo impressionista, referencializa o finito, a taça esvaziada na madrugada, a noite refém dos dias. E é, justamente, o milagre da poesia, transmudada em música, que instaura a trapaça a estas sentenças. De maneira que podíamos ainda estabelecer com o signo ‘corda’ um relação de leitura da intertextualidade instaurada na obra. O autor como que evoca várias vozes de autores diversos, para, dialogicamente construir sua ária de resistência e celebração e também orbita no terreno da transterritorialidade da arte, assimilando da pintura, da música, e de outros espaços de manifestação artística, referências que visam engrandecer seu texto lírico. Isto fica evidente, também, nos paratextos, epígrafes, dedicatórias e evocações mesmo como nos poemas: “Soneto a Ricardo Reis”. “Sonetos para duas barrocolagens de Afonso Ávila”, “Soneto-Introdução à grande natureza morta metafísica, de Giorgio Morandi”, “Soneto para Marcel Proust”, etc.
        Na poesia de Jorge Tufic o “perene” é obtido pela própria provisoriedade dos eventos: “Porque te abres apenas rubra messe,/frágil manhã que os pássaros celebram,/e só duras o instante de uma estrela.” No primeiro terceto do texto “Soneto para um velho telhado”, se flagram, novamente, o “palco” e o “pouco” abrigados na sensualidade da palavra, advinda da cúmplice sinfonia entre a paisagem e o tempo: “Enquanto ossadas limpam-se da mesa,/ secam lá fora os grilos da incerteza/ telhados ardem na paisagem suja”.
        A última parte do livro, intitulada de “retrospectiva” é arregimentada nas possibilidades estéticas do concretismo e de algumas incursões vanguardistas experimentais e sedimentado, sobretudo naquela perspectiva minimalista herdada do primeiro modernismo brasileiro que teve como principal representante o poeta Oswald de Andrade, donde abundam o coloquialismo, o poema piada. Aqui no poema “Menino Grande” temos grande semelhança com também outro modernista o pernambucano Ascenso Ferreira, senão vejamos: “- Eu quero uma varanda/ uma rede/ um sabiá/ - E o que mais?/ deixa eu pensar.”
        Entretanto, a primeira parte pareceu-nos mais vigorosa, o poeta se mostrou muito mais senhor de seu ofício, muito mais à vontade para até ser subverter e inovar, ainda que dialeticamente, nos moldes da tradição do que no texto de viés, estritamente, renovador, modernista. Ou seja, admite-se aqui como sentença estética aquilo que disse Augusto dos Anjos: “A antítese do novo e do obsoleto/ tudo contribui para o homem ser completo”.

                                                                                 Astier Basílio

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