quinta-feira, 22 de agosto de 2013

JORGE TUFIC: POESIA, ESSÊNCIA E MISTÉRIO

(TUFIC AOS 33 ANOS)

 

 

 

                                     JORGE TUFIC: POESIA, ESSÊNCIA E MISTÉRIO

 

 

                                                                       Por José Hélder de Souza

             

              Numa tarde de agosto de 1994, passeávamos Jorge Tufic e eu, pela Avenida Beira Mar, no Meireles, praia de Fortaleza, Ceará, à procura de um bar onde, como aconselhou T.S. Eliot, acertássemos nossos relógios pelos relógios das praças e sentássemos por meia hora e bebêssemos nossas cervejas (as cervejas para o Tufic, uísque para mim ou outra sorte de absinto, como queria Baudelaire), embora não fôssemos, não sejamos, “Homens Ocos”, naquele “reino crepuscular” e aceitássemos a afirmativa do poeta Eliot feita em Cambridge ao debuxar o “Retrato de uma Senhora”: “Pertence a ti (a nós, no caso) toda esta tarde”. Falávamos então, Tufic e eu, de poesia e da falta de poesia em livros ditos de poesia desta nossa época, nesta sobre-tarde de século e de nossas próprias vidas.

                  Sem afetado ar de crítico ou de erudito ledor de poemas, dizia eu, enquanto caminhávamos sedentos rumo a um bar do Mucuripe, ao poeta Jorge Tufic que para ser poesia, o verso precisa ter aquele indizível, inefável mistério, certa incoerência, eufemismos ou modo de interlúnio.

               Agora, nesta minha hora brasiliense também de sol-pôr, lembrando a peripática busca ao crepúsculo, frente ao mar em rumo de um boteco que fosse, encontro, na leitura de “Os Sete Pergaminhos”, V parte, página 121 de Poesia Reunida, do próprio Jorge Tufic (Edições Puxirum, Manaus – 1987), esta feição de mistério do verso, da poesia vigorosa, como se vê:

 

               “Vamos dar tempo, senhor,

               para que a lenda apodreça

               os ramos da verdade”.

              

               São versos amazônicos, só possíveis na escrivinhadura de um poeta que conheceu o paul da selva onde se estiolam ramos e as lianas com que se entretece a lenda. É verdade, me parece.

                 ¨¨Não sei muito de deuses¨ - repitamos Eliot - mas os da mata amazônica, por certo, meteram-se nos versos do acreano Jorge Tufic.

 

            

             “No campo de marte,

               o torso de Aquiles penetra

               a carcaça do seu último galope. ¨

 

 

               Estes versos, embora tragam a intrínseca beleza da poesia e seu mistério – “o sal do verso”, como diz o mesmo Tufic, no soneto “Tarefa”, pág.59 – , poderiam ser escritos por qualquer um outro poeta de qualquer um outro país, com razoável cultura ou conhecimento de outros versos de outras lendas coevas.

               Mas versos como os deste trecho do poema “Fragas e Consonâncias para Nazim Hikmet” (pág.122) – “O arco-íris imita uma cobra / com duzentas lendas de escama” – só poderiam ser gerados nas brenhas amazônicas, onde “...a terra parou. A luz germina / o caos testemunha o grão do inseto, / hasteia o verde”. Versos feitos no entanto sem alusões patéticas à selva, aos meandros da mata diluviana, “o manto aluvial, descendente do bíblico” (Ferreira de Castro, A Selva, pág.193), que tanto assombrou, “galvanizou”, como ele mesmo diz, o romancista português.

               Também quando medita sobre modos de fazer poema, Tufic nos dá – “Poemática”, pág. 186 - a medida exata de sua poesia e onde aprendemos que isto é a “força incorpórea / da semente brotando em nossa mão” (a presença vegetal, sempre) ...”enigmas que circulam entre um / verso e outro verso / entre uma palavra e outra palavra”...

               Na coletânea de poemas A História, integrante de Poesia Reunida e que tem o delicioso subtítulo Cordelim de Alfarrábios (pág.221) vemos se confirmar a amazonidade de Jorge Tufic, digamos assim, se não for impróprio. Nos poemas desta parte do livro, vamos encontrar, de começo, a penetração dos colonizadores espanhóis e lusos desvirginando as matas e as águas primordiais, feitos que Tufic diz deste modo: a “Nova Terra... / com seus remansos de lenda / viu-se um dia ao calendário... / E por janeiros doada / por parte dos reis de Espanha, / ventos foram puídos / de tantas bandeiras rotas; seus rios tiveram sede / pelo sufoco das proas. / E as matas foram recuando / nos olhos do Curupira”.

               Depois, sem descair para o popularesco, como fazem alguns, com onomatopéias imitativas da natureza, percorre as lendas, os mitos da Amazônia:

 

               “Eram livres céus e terras,

               bichos, peixes, águas, fontes,

               livres de ver liberdade

               nas garças e jaçanãs...

               ar livre, praias cobertas,

               grávidas praias, de leve

               urdindo a fala esquecida

               dos uruás e tupanas,

               livres os fios das lendas

               para as tragédias humanas.”

 

               Seguem-se poemas celebrando os mitos, os heróis primitivos, animais e plantas e o homem mesmo, os filhos da mata, do homem que lá se formou desde a origem dos séculos até os simples e humanos heróis – como os soldados da borracha – da vida amazônica vista por Jorge Tufic, suas cidades com suas misérias e grandezas. Tudo num fluir de poesia verdadeira que eu gostei de encontrar dias depois de nosso encontro, Tufic e eu, na praia da Fortaleza.

 

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               Os versos de T.S Eliot aqui citados foram lidos e relidos em Tierra Baldia y Otros Poemas, Coleccion Los Grandes Poetas, Buenos Aires, 1954, e Poesia, tradução de Ivan Junqueira, Nova Fronteira, 1981.

 

 

 


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