(FOTO SEBASTIÃO SALGADO)
A
SUPOSTA CRISE DA POESIA
Em sessenta anos de
Modernismo, divididos entre quatro gerações classificadas de acordo com Ortega
Y Gasset, para quem “uma geração é um período ou zona de datas abrangendo cerca
de quinze anos que se distribuem sete anos antes e sete depois de um ano
central assinalado como época determinante e característica”, a poesia
brasileira teve altos e baixos, chegou a encalhar na “experiência” de 45, mas
obteve um alento novo através do Concretismo, que lhe propunha uma linguagem
não discursiva, verbi-vocal-visual (palavra x som x figura), utilizando o
ideograma como forma ideal e muitas vezes caindo no POEMA FIGURATIVO (1). Veio
depois do Neo, a praxis, o poema manipulado de Roberto Pontual, a poesia de
muro original do Amazonas (fase teórica), o sincretismo pernambucano – e o
poema/processo, este último com o objetivo de “dissociar a Poesia (estrutura)
do Poema (processo), separando, definitivamente, o que é língua de linguagem, dentro da literatura”
(2). Nesse intervalo sobressaem as manifestações isoladas que pretendem
conciliar a função estética da poesia com a mensagem social, a falta de
recursos materiais com a publicação alternativa, a poesia marginal, etc, etc.
Em “Canto Melhor”, Ed Paz e Terra, Manoel Sarmento Barata orienta sua crítica neste mesmo sentido.
Verso, palavra, ausência de
verso, arte gráfica, processo. Em comunicação apresentada ao I Seminário de
Literatura das Américas, Domingos Carvalho da Silva aborda o problema da
palavra, o verso e a suposta crise da poesia, recolocando a poesia como verso e
o verso na dependência de seus componentes métricos defendidos por Aristóteles,
em sua “Arte Retórica e Arte Poética”. No estudo da palavra, o Autor se
desdobra amplamente em torno do significado polivalente de signo ou de metáfora
que lhe assegura o uso multívoco da linguagem conotativa, isto é, poética,
fenômeno que ocorre espontâneamente, no ato de criação do poema, e não de
propósito, como quer Umberto Eco, transferindo, assim, para o campo denotativo da razão o ato semi-consciente da
elaboração poética (3). Pondo em relevo o envelhecimento e a morte das
palavras, de que se nutrem e renascem outras, ele chega ao Concretismo e à
opção pelo retrato daqueles que, temerosos da exaustão da palavra falada e da
sintaxe da língua viva, tentaram substituí-las pelos signos gráficos, então
considerados elementos concretos independentes do próprio significado e
implantados no espaço branco do papel, manifestação, segundo DCS, não de
poesia, mas da arte gráfica (4).
Quanto ao verso, defende-o
como sendo a própria estrutura da poesia, como a pele do corpo, valendo
ressaltar a diferença que estabelece entre prosa e poesia, entre verso e a
linguagem discursiva, entre a linguagem conotativa e a linguagem denotativa,
coloquial ou científica. Diz: “ O verso – de medida regular ou não – é a base
rítmica da estrutura do poema. Ocorre porém que nem todos os que usam o chamado
verso livre são verdadeiros poetas, isto é, nem todos têm o instinto do ritmo
da linguagem poética: na maioria dos
casos são simples prosadores que invadem a área da poesia, instaurando nesta o
ritmo da prosa, que é apenas respiratório e gramatical.”
Crise da poesia?
Colocada pelo
conferencista como suposta, já que,
citando Claudel, a poesia está em tudo, salvo nos maus poetas, logo se
depreende que essa “crise” resulta de vários fatores externos à obra de arte, e
como tal influenciadores em seu constante processo de renovação, de equilíbrio
prioritário no desequilíbrio dos acontecimentos que lhe temperam a couraça para
novos embates travados com o tempo. A clássica procura de adequação entre fundo
e forma, persistente na elaboração de uma linguagem poética capaz de sentir o
mundo como presença do homem, inscreve-se também entre os sintomas de crise,
numa época tumultuosa em que “a poesia ficou impressa no livro, que continua a
entrar discretamente pela porta da frente de nossas casas, ao passo que a
imagem de televisão atravessa as próprias paredes”. (5)
Essa mesma crise da poesia,
compreendida também como desgaste de sua “popularidade”, de sua cobertura
crítica pelos meios de comunicação e de seu acesso ao leitor, foi
posteriormente ressaltada pelo poeta Fernando Mendes Viana, em tom de súplica e
socorro, no artigo intitulado “SOS para salvar a poesia” (Suplemento Literário
de Minas Gerais de 05.12.70) e objeto de comentário assinado por nós (em
14.13.71). Fazíamos, ali, uma profissão de fé nos princípios eternos que acionam o carro de Apolo, nessa
corrida milionária com as ogivas espaciais. E dizíamos que
apesar dos contrários ou por isso mesmo, a poesia é concebida nas origens, ou
seja, que por impulso de mágicas ela devolve ao instrumento receptivo a
limpidez objetiva de quem penetra numa cortina de chuva. As palavras
subseqüentes são frutos dessa travessia incolor, transparente, e adquirem a
extensão de um fogo que se grava nas árvores, e o ar das cinzas revoltas é o
mesmo que brilha nas flores de maio. Os acontecimentos, as fábulas, o motejo,
os crimes, as guerras, os encontros, as ruas, as pontes, os rios, as máquinas,
o amor e a pedra, latejam no pólen do verso. Do verso verso ou da palavra
verso, poema, feito para conter o sonho dos milênios. Não, não pode existir
morte possível da poesia! Ela se nutre das partes mortas de todos os seus
arredores, transfere-se de vaso, renasce, permanece. Daí o seu poder de antecipação na descoberta dos velos
misteriosos, e os atributos de vidente que se confere ao poeta. Os temas, por
mais vulgares, se diluem e perenizam nos símbolos poéticos. Desse modo, a
suposta crise da poesia decorre de um malentendido, a partir do momento em que
os domínios do verso-pelo-verso receberam o impacto de novas estruturas, o
sangue novo das pesquisas novas, o diálogo aberto com os outros campos do
conhecimento,
Em suma, defendida como
verso, representada como ideograma, processada como gesto de fazer algo
equivalente a figuras ou construções geométricas, a poesia é condição
primordial de existência decorrida na tranqüilidade que sobrevive ao caos para
o cosmo, do eu particular para o eu
cósmico, do informe para o sublime, do sublime para o mágico. Quer seja palavra,
verso ou meras representações estruturais, manipuladas ou “escritas”. Pois, em
sessenta anos de Modernismo, uma coisa é certa: continuamos tão perto das
primitivas inscrições rupestres, quanto o homem do Universo.
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