Cambebas
Jorge Tufic
Desenha-se a maloca dos Cambebas (ou Omáguas) de modo a ser vista como se fosse da janelinha de uma aeronave que sobrevoasse as margens do Rio Amazonas (ou Solimões), isso numa recuada do tempo ao ano de 1707, quando a Amazônia ainda era vedada à curiosidade de estrangeiros, mas abriu-se exceção para Charles Marie de La Condamine, que neste exato período desceu o rio vindo de Quito, e para os naturalistas alemães Spix e Martius. Nesse ponto é Nunes Pereira que assume a janelinha do pássaro metálico, e esclarece: “Buscando-se, no mapa da Amazônia Brasileira, a área cultural atualmente habitada pelos Índios Tucuna, no quadrilátero Tabatinga-Esperança-Tocantins-Auati, logo nos ocorrerá um conceito remoto do geógrafo inglês G. E. Church, em sua obra sobre os aborígenes da América do Sul.”
A partir dessa abertura, deduz-se, ocorre, talvez, o previsível: “A escória derramada no Continente compunha-se de degradados, apedeutas, da ralé corrida das enxovias, de ambiciosos, de vagabundos sem eira nem beira, de gente de maus bofes” (MYM, “História da Cultura Amazonense”, Vol. I, pag. 33). Em seus primeiros passos nesses domínios da natureza selvagem, caberia, porém, a La Condamine o privilégio de ser alertado para um acontecimento no mínimo assustador e fantástico: um grupo de meninos cambebas se empenhava num jogo singular, ao chutarem, em todas as direções, um objeto cilíndrico que, inclusive, ao cair ao solo desafiava as leis da gravidade, voltando, aos pulos, a rolar sobre si mesmo ou ganhando altura, quando novamente chutado.
Compreende-se o espanto do cientista e sua comitiva ao terem descoberto um derivado da seringueira, o caucho, o qual, como não prestava para ser vendido, poderia ser usado em várias serventias, sobrando para o foot-ball, assim batizado pelos ingleses, cujo “direito” à invenção do futuro esporte das Copas do Mundo não passa daí. A Era dos Automóveis também saiu desse encontro histórico. Ou melhor, do começo de uma série de roubos e furtos internacionais das riquezas do nosso País, jamais avaliadas ou pensadas com a devida responsabilidade e conhecimento de causa. Da Amazônia, por exemplo, o que vai sobrar das catástrofes espontâneas fica mais para um deserto de areia, abandonado e estéril, do que mesmo para o que apregoam os caçadores de empréstimos milionários, em nome de projetos insanos ou apenas tardios. A Amazônia caminha em direção contrária ao sonho de Stefan Zweig. Ano após ano ela se extingue, procura aninhar-se na vastidão de um deserto de areia, mas onde estejam, codificadas, as novas sementes de árvores do látex.
Palavras (finais) de Betty J. Meggers sobre aqueles primórdios, como se pudesse, à distância de séculos, continuar seu passeio ao redor da inocente pelada dos meninos-omáguas: “A Amazônia formava um sistema ecológico perfeito, em que os diversos elementos da flora e da fauna se interpenetravam e se completavam, no equilíbrio necessário à sobrevivência de todos.”
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