Violeta Branca e sua época
Jorge Tufic
A semana de arte moderna de 1922,
em São Paulo ,
apesar da violência renovadora insuflada pelos seus prógromos e lúcidos admiradores,
não chegou por aqui senão após o ano de 1954, exceto por algumas tentativas
poéticas isoladas, tendentes a um regionalismo ufanista ou apenas seduzidas
pelo culto do verso livre sem qualquer liame com as velhas formas parnasianas
de arte-pela-arte.
Francisco Ferreira Batista, em
sua conferência feita em 1955, na escola de Serviço Social, subordinada ao
título “Conceituação do Modernismo no Amazonas”, aponta “O poema do Tarumã”, de
José Chevalier, como o primeiro artefato modernista publicado em Manaus,
“equivalendo seus efeitos, na oportunidade, aos causados pelo discurso
proferido por Graça Aranha, na Academia Brasileira de Letras”. Na primeira fase
destes surtos individualizados, com intuitos simplesmente
adesistas na divulgação de uma que outra tentativa poética “Futurista”, assim
chamadas na época, fora a revista “Redenção”,de Clóvis Barbosa, surgida por
volta de 1924, que dera abrigo à incipiente manifestação rebelionária de alguns
pioneiros. Em 1927, o ex-deputado Francisco Pereira da Silva lança a coletânea
“Poemas Amazônicos¨, fortemente marcada pela corrente modernista que se arraiga
aos motivos da terra, dentro do esquema nativista sublimado pelo grupo “anta”,
constituído por Menotti del Picchia, Plinio Salgado, Cândido Mota Filho, Raul Bopp
e Cassiano Ricardo.
Em 1929 surge “Equador”, também
dirigida por Clóvis Barbosa. Esta revista fazia parte da série “Panorama
literário do Norte de hoje”, um verdadeiro slogan de renovação cultural. Seu
prefácio dá a entender que ela vigora na prática do melhor antropofagismo
sulista, e condena a subliteratura que se exercitava em seu nome, em outras
regiões do país. E defende um regionalismo comportado na trilha aberta por
Mário de Andrade e Cassiano Ricardo. “Uma etiqueta passadista viciou a arte brasileira
com estrangeirismos retóricos. Está errado. Tão errado como compreenderem que
brasilidade modernista é escrever em cassange o elogio dos lugares-comuns da
nossa paisagem”. “Neste brado grandiloquente só reboaram as investidas de seu
primeiro e único número”, de conteúdo que nada tinha do que se pregava no
introito referido. Seu denodado proprietário e orientador não conseguiu atingir
as culminâncias previamente anunciadas, por contingências mesológicas. É
preciso notar, porém, que Clóvis Barbosa não descurou da capacidade de nossos
homens de letras, ou seja, daqueles que acreditavam nas possibilidades do
movimento renovador, visto pelos passadistas como um ciclone no pensamento
literário, a exemplo de hordas iconoclastas”. Arrostando toda a sorte de imprevistos
e má vontade, ele investiu novamente voltando a publicar, dessa feita, a
revista “Redenção”, que alcançou, em parte, sua verdadeira finalidade. É o que
se deduz pela verificação dos nomes de realce que dela participaram. Em
“Redenção” militaram figuras representativas do ¨modernismo¨ amazonense , a
saber: Miriam e Aldo Moraes. Abguar Bastos, Ramayama de Chevalier e Francisco
Pereira. Esse órgão “oficial” dos “modernistas”, o mais importante que tiveram,
viveu duas fases: a primeira, de 1924 a 1927. A segunda fase vem de 1931, com
uma nova reação ao próprio modernismo impregnado de sentimento nacionalista,
que se fazia sentir nas metrópoles do país – para desaparecer definitivamente,
entre 1934 ou 35. “Ainda podemos mencionar a revista “Vitória Régia”, dirigida
por Francisco Benfica, que abrigava, como filhos bastardos, produções de poetas
“futuristas”. A revista “Cabocla”
contribuía, por igual, no sentido de propagar o movimento de 1922 no
Amazonas, publicando poemas e crônicas que traziam a chancela de Genezino
Braga, nem inteiramente divorciado do passadismo nem integrado na psique
revolucionária do modernismo. Havia também, o jornal Reação de Moacir Dantas,
cuja pagina literária domingueira
editava poesias de Sebastião Norões e Mário Ypiranga Monteiro. “Era
desnorteante” – escreve Francisco Batista – “o contraste da página literária do
jornal “Reação”: Parnasianismo e modernismo, o que atesta o empirismo telúrico.
O próprio dirigente da folha, Araújo Neto, era poeta passadista, regido pelos
cânones ditados pela musa de Bilac. Nessa mixórdia parnaso-modernista víamos
dois interesses, diametralmente opostos, conciliarem-se pelas injunções
espaciais de um suplemento de jornal”. Tudo parece ter ficado nisso.
Mesmo depois dessa etapa, quando
o movimento modernista assume novos aspectos, filtrando a experiência estética
libertadora numa tomada de consciência em face da problemática nordestina, nada
podemos constatar na literatura amazonense como reflexo positivo daquele
movimento artístico e literário. Enquanto isso, Pernambuco já tinha lançado seu
famoso “manifesto regionalista” enquadrando em seu contexto “a realidade
histórico-cultural nordestino, com seu cenário geográfico, sua dramaticidade, a
sua tipologia humana e a sua mitologia popular”. Os resultados concretos desta
tomada de posição nós vamos encontrar nas obras de José Américo de Almeida,
José Lins do Rego e Graciliano Ramos. No romance, os nossos escritores fincavam
baliza entre o ensaio e a prosa de ficção, ressaltando-se, contudo, a importância
documental e sociológica dos temas
enfocados, do “inferno verde”, de Alberto Rangel à “A selva” de Ferreira de
Castro. Perdidos no cenário amazônico, passávamos aos poucos da noção de
inferno verde para a tônica ufanista da terra verde, sem, nem por acaso,
lograr-se ultrapassar as fronteiras da “informação copiosa”, da observação
“fidedigna”, isto situados genericamente na literatura amazônica, onde,
inclusive, repontam as novelas de costumes, as contribuições de fundo ecológico
e o lado puramente descritivo, cujo pano de fundo são os célebres “gaiolas”, as
lendas regionais e o contraste pitoresco dos enredos amorosos de Hollywood
enxertados na paisagem fluvial. Segundo Peregrino Junior, a fase chamada
“modernista” da literatura amazônica, está ligada apenas aos nomes de Abguar
Bastos, Dalcídio Jurandir, Gastão Cruis, Raul Bopp e Peregrino Junior. “Ao lado
dessas” – relata Peregrino Jr. – “muitas figuras secundárias e acessórias, de
filiação difícil que nem por isto deixam de ter sua parcela de interesse. Como
se sabe, no regionalismo, muita coisa de escassa importância literária tem
grande importância sociológica, isto é, pela documentação e pela informação”.
A partir de 1930, portanto,
fraquíssimos eram ainda os reflexos da Semana de Arte na literatura amazonense.
Contam-se a dedo os nomes que defendiam a Escola moderna. Mas ocorre aí um fato
bastante singular na vida literária de Manaus, talvez inexplicável sob o ponto
de vista da coerência intelectual: em 1935, a poetisa “modernista” Violeta
Branca publica no Rio de Janeiro, seu livro de poemas “Rythimos de Inquieta
Alegria” e, dois anos depois, consegue eleger-se membro da academia Amazonense
de Letras. O fato assume um tom de saborosa incoerência, de vez que a poetisa,
além de modernista, e como tal deslocada no meio acadêmico, fora a segunda
mulher brasileira a figurar numa Academia.
Violeta Branca Menescal de
Vasconcelos nasceu em Manaus, no dia 15 de setembro de 1915 e faleceu no Rio de
Janeiro, em 7 de outubro de 2000. Ocuparam-se de sua obra, dentre outros,
Genesino Braga, Tenório Telles e Marcos Frederico Krüger, tendo merecido , de
Almir Diniz, em seu livro Mulheres, a homenagem de um soneto intitulado Canto
de Liberdade. Não são poucas, contudo, as homenagens que ela tem recebido no
decorrer destes últimos dez anos, destacando-se, para estudo e consulta,
Violeta Branca (O poetismo de vanguarda), ensaio e documentário de Carmen Novoa
Silva, de quem foi amiga até a data de seu trespasse. Vale a pena reler este
livro, no qual, também, comparece uma transcrição da Antologia Poética da
Mulher Amazonense, do escritor Danilo Du Silvan, editada em 1984. Embora sem os
recursos formais de Cecília Meireles, nem, também, sua profundidade conceitual
diante do mundo, Violeta Branca, afinal, segundo Tenório Telles, pertence à
primeira fase do modernismo. ¨Seu discurso poético é fluido, despojado de
qualquer pretensão acadêmica¨, conclui esse mestre. Feminina, inclusive, não
nos parece, em nenhum momento, preocupada com o gênero de sua própria inquietação lírica ou existencial,
enfatizando, sobretudo, a monumentalidade interior que se apressa a fazer de
seu canto um jornal de surdinas e confidências, algumas vezes pueris, mas
sempre como se estivesse entre árvores e pássaros.
Não me garanto a suposição, mas,
segundo um velho amigo e colega do Clube da Madrugada, cruzáramos no Rio de
Janeiro e em Manaus, sem que Violeta Branca soubesse qualquer coisa sobre mim
ou eu duvidasse da sorte que me envolvera, por segundos apenas, no ar de sua
presença profundamente evocativa, suavemente encantadora. Assim é a vida, e o
que poderia ter sido pouco bate com as perfumadas lembranças do que realmente,
foi.
N do A: palestra proferida na
noite de 21 de dezembro de 2012, no auditório da Academia Amazonense de Letras,
em comemoração ao centenário de nascimento de Violeta Branca.
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