segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Violeta Branca e sua época
                                                                                         Jorge Tufic
 
A semana de arte moderna de 1922, em São Paulo, apesar da violência renovadora insuflada pelos seus prógromos e lúcidos admiradores, não chegou por aqui senão após o ano de 1954, exceto por algumas tentativas poéticas isoladas, tendentes a um regionalismo ufanista ou apenas seduzidas pelo culto do verso livre sem qualquer liame com as velhas formas parnasianas de arte-pela-arte.
Francisco Ferreira Batista, em sua conferência feita em 1955, na escola de Serviço Social, subordinada ao título “Conceituação do Modernismo no Amazonas”, aponta “O poema do Tarumã”, de José Chevalier, como o primeiro artefato modernista publicado em Manaus, “equivalendo seus efeitos, na oportunidade, aos causados pelo discurso proferido por Graça Aranha, na Academia Brasileira de Letras”. Na primeira fase destes surtos individualizados, com intuitos simplesmente adesistas na divulgação de uma que outra tentativa poética “Futurista”, assim chamadas na época, fora a revista “Redenção”,de Clóvis Barbosa, surgida por volta de 1924, que dera abrigo à incipiente manifestação rebelionária de alguns pioneiros. Em 1927, o ex-deputado Francisco Pereira da Silva lança a coletânea “Poemas Amazônicos¨, fortemente marcada pela corrente modernista que se arraiga aos motivos da terra, dentro do esquema nativista sublimado pelo grupo “anta”, constituído por Menotti del Picchia, Plinio Salgado, Cândido Mota Filho, Raul Bopp e Cassiano Ricardo.
Em 1929 surge “Equador”, também dirigida por Clóvis Barbosa. Esta revista fazia parte da série “Panorama literário do Norte de hoje”, um verdadeiro slogan de renovação cultural. Seu prefácio dá a entender que ela vigora na prática do melhor antropofagismo sulista, e condena a subliteratura que se exercitava em seu nome, em outras regiões do país. E defende um regionalismo comportado na trilha aberta por Mário de Andrade e Cassiano Ricardo. “Uma etiqueta passadista viciou a arte brasileira com estrangeirismos retóricos. Está errado. Tão errado como compreenderem que brasilidade modernista é escrever em cassange o elogio dos lugares-comuns da nossa paisagem”. “Neste brado grandiloquente só reboaram as investidas de seu primeiro e único número”, de conteúdo que nada tinha do que se pregava no introito referido. Seu denodado proprietário e orientador não conseguiu atingir as culminâncias previamente anunciadas, por contingências mesológicas. É preciso notar, porém, que Clóvis Barbosa não descurou da capacidade de nossos homens de letras, ou seja, daqueles que acreditavam nas possibilidades do movimento renovador, visto pelos passadistas como um ciclone no pensamento literário, a exemplo de hordas iconoclastas”. Arrostando toda a sorte de imprevistos e má vontade, ele investiu novamente voltando a publicar, dessa feita, a revista “Redenção”, que alcançou, em parte, sua verdadeira finalidade. É o que se deduz pela verificação dos nomes de realce que dela participaram. Em “Redenção” militaram figuras representativas do ¨modernismo¨ amazonense , a saber: Miriam e Aldo Moraes. Abguar Bastos, Ramayama de Chevalier e Francisco Pereira. Esse órgão “oficial” dos “modernistas”, o mais importante que tiveram, viveu duas fases: a primeira, de 1924 a 1927. A segunda fase vem de 1931, com uma nova reação ao próprio modernismo impregnado de sentimento nacionalista, que se fazia sentir nas metrópoles do país – para desaparecer definitivamente, entre 1934 ou 35. “Ainda podemos mencionar a revista “Vitória Régia”, dirigida por Francisco Benfica, que abrigava, como filhos bastardos, produções de poetas “futuristas”. A revista “Cabocla”  contribuía, por igual, no sentido de propagar o movimento de 1922 no Amazonas, publicando poemas e crônicas que traziam a chancela de Genezino Braga, nem inteiramente divorciado do passadismo nem integrado na psique revolucionária do modernismo. Havia também, o jornal Reação de Moacir Dantas, cuja  pagina literária domingueira editava poesias de Sebastião Norões e Mário Ypiranga Monteiro. “Era desnorteante” – escreve Francisco Batista – “o contraste da página literária do jornal “Reação”: Parnasianismo e modernismo, o que atesta o empirismo telúrico. O próprio dirigente da folha, Araújo Neto, era poeta passadista, regido pelos cânones ditados pela musa de Bilac. Nessa mixórdia parnaso-modernista víamos dois interesses, diametralmente opostos, conciliarem-se pelas injunções espaciais de um suplemento de jornal”. Tudo parece ter ficado nisso.
Mesmo depois dessa etapa, quando o movimento modernista assume novos aspectos, filtrando a experiência estética libertadora numa tomada de consciência em face da problemática nordestina, nada podemos constatar na literatura amazonense como reflexo positivo daquele movimento artístico e literário. Enquanto isso, Pernambuco já tinha lançado seu famoso “manifesto regionalista” enquadrando em seu contexto “a realidade histórico-cultural nordestino, com seu cenário geográfico, sua dramaticidade, a sua tipologia humana e a sua mitologia popular”. Os resultados concretos desta tomada de posição nós vamos encontrar nas obras de José Américo de Almeida, José Lins do Rego e Graciliano Ramos. No romance, os nossos escritores fincavam baliza entre o ensaio e a prosa de ficção, ressaltando-se, contudo, a importância documental  e sociológica dos temas enfocados, do “inferno verde”, de Alberto Rangel à “A selva” de Ferreira de Castro. Perdidos no cenário amazônico, passávamos aos poucos da noção de inferno verde para a tônica ufanista da terra verde, sem, nem por acaso, lograr-se ultrapassar as fronteiras da “informação copiosa”, da observação “fidedigna”, isto situados genericamente na literatura amazônica, onde, inclusive, repontam as novelas de costumes, as contribuições de fundo ecológico e o lado puramente descritivo, cujo pano de fundo são os célebres “gaiolas”, as lendas regionais e o contraste pitoresco dos enredos amorosos de Hollywood enxertados na paisagem fluvial. Segundo Peregrino Junior, a fase chamada “modernista” da literatura amazônica, está ligada apenas aos nomes de Abguar Bastos, Dalcídio Jurandir, Gastão Cruis, Raul Bopp e Peregrino Junior. “Ao lado dessas” – relata Peregrino Jr. – “muitas figuras secundárias e acessórias, de filiação difícil que nem por isto deixam de ter sua parcela de interesse. Como se sabe, no regionalismo, muita coisa de escassa importância literária tem grande importância sociológica, isto é, pela documentação e pela informação”.
A partir de 1930, portanto, fraquíssimos eram ainda os reflexos da Semana de Arte na literatura amazonense. Contam-se a dedo os nomes que defendiam a Escola moderna. Mas ocorre aí um fato bastante singular na vida literária de Manaus, talvez inexplicável sob o ponto de vista da coerência intelectual: em 1935, a poetisa “modernista” Violeta Branca publica no Rio de Janeiro, seu livro de poemas “Rythimos de Inquieta Alegria” e, dois anos depois, consegue eleger-se membro da academia Amazonense de Letras. O fato assume um tom de saborosa incoerência, de vez que a poetisa, além de modernista, e como tal deslocada no meio acadêmico, fora a segunda mulher brasileira a figurar numa Academia.
Violeta Branca Menescal de Vasconcelos nasceu em Manaus, no dia 15 de setembro de 1915 e faleceu no Rio de Janeiro, em 7 de outubro de 2000. Ocuparam-se de sua obra, dentre outros, Genesino Braga, Tenório Telles e Marcos Frederico Krüger, tendo merecido , de Almir Diniz, em seu livro Mulheres, a homenagem de um soneto intitulado Canto de Liberdade. Não são poucas, contudo, as homenagens que ela tem recebido no decorrer destes últimos dez anos, destacando-se, para estudo e consulta, Violeta Branca (O poetismo de vanguarda), ensaio e documentário de Carmen Novoa Silva, de quem foi amiga até a data de seu trespasse. Vale a pena reler este livro, no qual, também, comparece uma transcrição da Antologia Poética da Mulher Amazonense, do escritor Danilo Du Silvan, editada em 1984. Embora sem os recursos formais de Cecília Meireles, nem, também, sua profundidade conceitual diante do mundo, Violeta Branca, afinal, segundo Tenório Telles, pertence à primeira fase do modernismo. ¨Seu discurso poético é fluido, despojado de qualquer pretensão acadêmica¨, conclui esse mestre. Feminina, inclusive, não nos parece, em nenhum momento, preocupada com o gênero de sua própria  inquietação lírica ou existencial, enfatizando, sobretudo, a monumentalidade interior que se apressa a fazer de seu canto um jornal de surdinas e confidências, algumas vezes pueris, mas sempre como se estivesse entre árvores e pássaros.
Não me garanto a suposição, mas, segundo um velho amigo e colega do Clube da Madrugada, cruzáramos no Rio de Janeiro e em Manaus, sem que Violeta Branca soubesse qualquer coisa sobre mim ou eu duvidasse da sorte que me envolvera, por segundos apenas, no ar de sua presença profundamente evocativa, suavemente encantadora. Assim é a vida, e o que poderia ter sido pouco bate com as perfumadas lembranças do que realmente, foi.
N do A: palestra proferida na noite de 21 de dezembro de 2012, no auditório da Academia Amazonense de Letras, em comemoração ao centenário de nascimento de Violeta Branca.
 
 
                    
 
 

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