QUE SERÁ DE TI,
AMAZÔNIA ?
JorgeTufic
Que
será de ti, Amazônia,
enquanto
o homem que te desfruta
considerar-te
perene, imortal
como
se imagina um duende ?
Que
será de ti, Amazônia,
enquanto
se pensa no teu destino
sem
nunca separar-te dos interesses
daquele
que te golpeia,
te
reduz e te maltrata ?
Que
será de ti, Amazônia,
enquanto
se teima em desconhecer
que
teu reino se acaba
onde
a tua imensa vegetação termina ?
Que
será de ti, Amazônia,
enquanto
os cegos herdeiros
do
Lêmure implacável,
buscam
fórmulas vazias
para
explorar-te racionalmente,
quando
se sabe que os fins econômicos
já
são, por si mesmos,
irracionais
?
Que
será de ti, Amazônia,
enquanto
não forem avaliadas tuas perdas
e
teu desgaste
em
quatrocentos anos de falsa
prosperidade
para o homem;
e
de lenta ,
lentíssima
agonia
para
os sonhos e as riquezas
que
te habitam ?
Que
será de ti, Amazônia,
enquanto
o índio que te protege
e
guarda os teus mistérios,
continuar
sendo reduzido
e
transformado em caboclo ?
Que
será de ti, Amazônia,
enquanto
o revolvimento de teu solo,
à
cata de minérios,
envenenar
os teus rios ;
e
as toras de madeira submersas
desabarem
sobre ti
numa
queda insalubre e frenética
de
chuvas ácidas ?
Que
será de ti, Amazônia,
enquanto
o desmatamento e as queimadas
transferem
para os teus ares o sezão
dos
pântanos
e
a temperatura dos infernos ?
Que
será de ti, Amazônia,
quando
tuas lendas não tiverem mais
onde
pousar; e a doce flauta
do
uirapuru
quebrar-se
numa profunda elegia
sobre
os rios que minguam
e
os areais que avançam ?
Que
será de ti, Amazônia,
última
página do Gênesis,
quando
os seres que fazem a tua escrita
enigmática,
mergulharem
na usura
que
te rebaixa
aos
olhos do mundo ?
Que
será de ti, Amazônia,
se
continuas espoliada e sujeita
ao
voto
que
elege os teus algozes ?
Que
será de ti, Amazônia,
cujo
tamanho incomoda pela ausência
de
amor,
e
cuja perda nem mesmo um rio
de
lágrimas
há-de
chorar-te com justiça ?
Que
será de ti, Amazônia,
navegável
piscosa hidra mesopotâmica
resistência
dos fracos
buzina
dos ermos
igaçaba
de fogos-fátuos
agora
que teus peixes,
de
há muito impedidos de crescer
e
desovar corretamente
já
não saciam a fome dos que
nada
fizeram
para
ver o futuro ?
Que
será de ti, Amazônia,
grandeza
física que,
no
entanto,
pode
caber dentro de um ninho qualquer,
desde
que ele tenha a leveza
de
tuas palhas
e
a úmida ternura
dos
ventos que te embalam ?
Que
será de ti, Amazônia,
enquanto
as crianças do globo
não
souberem te amar em plenitude,
ou
seja,
do
bicho mais rasteiro
às
frondes mais altas de teus bosques
e
teus igapós ?
Que
será de ti, Amazônia,
se
as fronteiras que te abraçam
numa
ciranda geográfica de isolamento
e
fraternidade,
não
aprenderem também a sentir
o
pulsar de teus mares sepultos
e
a beber, em tuas águas,
a
música das sombras ?
Que
será de ti, Amazônia,
paraíso
da natividade cósmica
porto
de lenha
sertão
de especiarias
inferno
verde
berço
do progresso
refúgio
de degredados
sorvedouro
de talentos
remate
dos vencedores,
quando
és, praticamente,
a
última baliza do verde
com
as terras-do-sem-fim ?
Que
será de ti, Amazônia,
esfinge
dos néscios
apetite
dos glutões
motivo
de inspiração e de escárnio
natureza
morta
peixe
colorido de estrelas importadas
autofagia
mítica
cipoal
de batalhas demiúrgicas
aleijão
vegetativo
sementeira
de astronaves,
agora
que meia dúzia de sábios
te
colocam no banco dos réus
e
te julgam
em
nome da ecologia ?
Que
será de ti, Amazônia,
quando
a própria ecologia,
no
sentido global e verdadeiro,
deve
partir da humanização urbana ?
Não
é fácil acreditar nas palavras
de
quem se declara a favor
da
Natureza
se
cultiva a poluição
e
contribui para a miséria.
Que
será de ti, Amazônia ?
Os
tucanos pedem socorro.
Ao
fugirem das queimadas,
eles
invadem as cidades em busca
de
comida. Primeiro foi o homem
das
margens e terras firmes
que
se evadiu para sempre.
Agora
são as aves de tuas matas
que
se desfazem na escuridão.
Os
nichos sagrados estão em chamas.
Teu
coração também se revolta
e
sangra, Amazônia.
Fetos
de carbono
imitam
pajés enforcados
nas
enviras do luar.
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