quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O INCA

O INCA

Jorge Tufic

Deu-se que amanhecia. Onde? Para aumentar seu espanto, como nunca antes se havia mirado ao espelho de alguma coisa, depa­rava-se ele com as estranhas visões de uma cidade que ainda tinha habitantes. E o mais surpreendente: eram figuras de cera, mas dotadas de boca, pernas, cintura e barriga. Não podiam, contudo, enxergar o que lhes viria pela frente, embora o tempo anterior de suas vivências consternasse pela visível melancolia de seus trajes provisórios.
Falavam, quem sabe, um dialeto formado pelas últimas silabas de Ur, ora lembrando os bipes da Internet, ora tomando por empréstimo os falares dos Índios sonhados por Curt Nimuendaju. Chegara a ver um menino seguido por um cãozinho; e, mais além, um ca­sal de estátuas cujo autor vendia balas de chocolate a turistas de um planeta que, há milênios, chamava-se Terra.
Ladrões de metáforas poéticas davam conta de suas penas cultivando magnólias sobre lajes de basalto. Os amigos do bar, pensara, devem ter-se aposentado das praças, e a rua que procurava estaria agora em repouso, talvez, no lixão municipal das atrocida­des humanas.
Mas ele tinha um encontro e não deixaria por menos localizar a padaria do bairro X, ao lado da qual se instalara um cinema para deficientes totalmente irrecuperáveis, já que as imagens projetadas na tela nasciam de impulsos magnéticos e eram devolvidos ou processados numa central, de filtros solares construída em Macchu Picchu, durante o massacre da colonização espanho­la.
Macchu Picchu. Como voltar agora à cidadezinha de Lusara, com tantos séculos de atalhos, labirintos negros de breu, e es­sa chuva de gotas semelhantes a pepitas de ouro líquido modelando-lhe o corpo, destruindo-lhe a alma?

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