O INCA
Jorge Tufic
Deu-se que amanhecia. Onde? Para aumentar seu
espanto, como nunca antes se havia mirado ao espelho de alguma coisa,
deparava-se ele com as estranhas visões de uma cidade que ainda tinha
habitantes. E o mais surpreendente: eram figuras de cera, mas dotadas de boca,
pernas, cintura e barriga. Não podiam, contudo, enxergar o que lhes viria pela
frente, embora o tempo anterior de suas vivências consternasse pela visível
melancolia de seus trajes provisórios.
Falavam, quem sabe, um dialeto formado
pelas últimas silabas de Ur, ora lembrando os bipes da Internet, ora tomando por
empréstimo os falares dos Índios sonhados por Curt Nimuendaju. Chegara a ver um
menino seguido por um cãozinho; e, mais além, um casal de estátuas cujo autor
vendia balas de chocolate a turistas de um planeta que, há milênios, chamava-se
Terra.
Ladrões de metáforas poéticas davam conta de suas penas cultivando
magnólias sobre lajes de basalto. Os amigos do bar, pensara, devem ter-se
aposentado das praças, e a rua que procurava estaria agora em repouso, talvez,
no lixão municipal das atrocidades humanas.
Mas ele tinha um encontro e não
deixaria por menos localizar a padaria do bairro X, ao lado da qual se instalara
um cinema para deficientes totalmente irrecuperáveis, já que as imagens
projetadas na tela nasciam de impulsos magnéticos e eram devolvidos ou
processados numa central, de filtros solares construída em Macchu Picchu,
durante o massacre da colonização espanhola.
Macchu Picchu. Como voltar
agora à cidadezinha de Lusara, com tantos séculos de atalhos, labirintos negros
de breu, e essa chuva de gotas semelhantes a pepitas de ouro líquido
modelando-lhe o corpo, destruindo-lhe a alma?
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