| Ramayana de Chevalier, 1958 | 
       Rio, 9 de abril 
de 1967
        Meu grandiquerido [Jorge] 
Tufic
A saudade é como a luz, não morre, 
todos os dias se renova. Vocês do Clube da Madrugada representam, para mim, um 
retrocesso no tempo, uma viagem amável ao País da Emilia. Poetas, o são como eu 
aspiro e sinto: vivos, aluando de vida, tontos de luz como os pássaros livres da 
nossa terra. Gostaria de viver com vocês. Já me distancio na eclética do 
destino, procurando rosas no meu deserto, mas amando ao Amazonas com todas as 
fibras da minha paixão.
Nos meus dias de solitude, diante 
desta Copacabana sofrida pelos cortes de luz recebo sempre dois pedaços do Clube 
da Madrugada: Antísthenes e Penafort. Poetas, romancistas, talentos de cepa 
fina, caboclos na mais larga acepção do vocábulo. Trazem-me notícias, livros, 
composições espirituais da planície. São vozes da floresta, rumos perdidos da 
selva nesta flumilândia de arranha-céus.
Fala-me de você, de sua casa 
admirável debruçada sobre o igarapé como a de Pearl Buck em Hong Kong, talhada 
em madeira de lei, nossas eternas madeiras amazônicas, magníficas perfeições da 
nossa arquitetura neolítica, olhando as águas como presentes de Deus as almas 
sequiosas de bondade. Lembro-me de soneto, “Possível Soneto a Dalva”, obra prima 
da cinzeladura glebária, notável conquista de um talento que representa a nossa 
raça, a nossa gente, o nosso futuro misturando sírios, franceses, nórdicos, 
mestiços no imenso caldeirão da Hiléia, mãe santíssima da nossa desventurada 
sensibilidade. “O resto é uma cidade e nela o meu orgulho”.
Sim, o teu e o de todos esses 
Farias, Elsons, Bacelares, Américos, Alencares, Ruas e ensaístas como Aluísio 
Sampaio, Engrácio, Batista, João Bosco Evangelista, um economista como Saul 
Benchimol, um Jefferson Péres, artistas ao jeito de Afrânio Castro, Getulio 
Alho, Álvaro Páscoa, Moacir Andrade, Assayag, um ficcionista como Benjamin 
Sanches, e o miniaturista admirável que é Óscar Ramos, exilado na Espanha dentro 
da luz e da cor.
E me recordo dessas noites de luar 
sobre o rio, onde, quando em Manaus, “o fogo brando como Dalva em meu peito, a 
consumia”. Tu, como um Alfonsus de Guimarães, que assinaria esse soneto a Dalva, 
namorando uma lua no céu e outra lua no rio, momento eterno de translumbramento, 
como as genialidades pictóricas desses artistas manauaras ou transplantados para 
lá, doces Messias da última mensagem, amando desmesuradamente ao Amazonas, 
frutos de seus esgalhos pendentes, flores dos seus lagos imaturos, nelumbos dos 
seus igapós dormentes.
Gostei de teus livros, amei os 
teus poemas. Silvei como as dobras da espessura, buscando imagens e belezas. 
Arfei como os fatigados manatins dos canaranais, respirando saudades. O 
capitalismo afastou-me das rotas distantes, impossibilita-me uma visita à minha 
terra. Há uma pousada a minha disposição. A casa de Stenio Neves, na praça da 
Saudade, que me foi oferecida,  com o ar 
condicionado e outras vantagens modernas. Um dia saltarei por ai, de acangatara, 
ou só com a minha velha tara, rosnando de amor pelo Amazonas, que me atormenta 
de paixão como um eczema sentimental. 
|  | 
| Anúncio em A Tarde, 1939 | 
Morrerei, Tufic, é o destino. Só 
me sentirei feliz se o Clube da Madrugada, coletando-me as cinzas, junto com 
flores de mamorana, descer, uma noite de plenilúnio o rio Negro, despejando-me 
os espólios na foz, rumo ao mar-oceano... Nessas pedras que andei, hoje asfalto, 
por essas casas humildes que me convidam ao sonho impossível para os que não 
poderão jamais compreendê-la.
Vou parar. Meu caminho é como o 
das lagartas volantes, não marca o chão. Tu, que tens na lama a vibração das 
palmeiras dos oásis e o fervor pelo destino dos pais, tu que és símbolo do bom 
filho, do bom irmão e do bom companheiro, tu que és poeta no ar que respiras e 
na limpidez aos teus momentos interiores, nos quais festejas a Morte, lembra-te 
do teu velho amigo, do Ramayana que é uma expressão da Amazônia onde quer que se 
encontre, um traço de Amor entre a terra e o infinitivo, um caboclo doente e 
triste, cujo sorriso é uma lua à superfície de um lago tranquilo.
Abraço-te a ti e aos nossos irmãos 
do Clube da Madrugada. Uma tâmara para o teu coração. Um cupuaçu para os nossos 
paladares boêmios. Meu endereço vai abaixo. Gostaria de entreter com vocês um 
entendimento de beira de cais. Receber jornais de Manaus, escrever para eles, 
escutar de longe as novidades da mais bela das cidades do Brasil, junto com a 
Bahia, porque autênticas.
Como na Roma antiga, direi de toga 
suspensa e num gesto digno: Vale!
Do teu ex-conde
 
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