Folhas da Selva, haicais de Aníbal Beça
Jorge Tufic
O
autor deste livro, poeta Aníbal Beça, já lida com as fibras do haicai
(viajando com Bashô) desde que a primeira folha desse curioso ideograma
poético japonês consegue respirar o aguaceiro do inverno e sente, na
forma do crisântemo, o zen da primavera.
Neste Folhas da Selva o
haicaísta amazônico retesa ao máximo o arco de seu dia esponjado de
lua, água, movimento e descoberta, até onde uma síntese verbal pode
servir de exemplo à fixação de um sonho acordado, seja quando surpreende
a resistência da flora ao calor insuportável das chamas, seja quando o
aroma do café matinal se mistura ao domingo e sabe ao travo da baunilha.
Sutileza,
respeito à tradição oriental, e sobretudo poesia, marcam a leitura
desses textos que são, ao final, um só e bem estruturado poema,
constituído de muitos outros do mesmo quilate, parecendo mais uma leve e
prolongada sinfonia, cujo tema
central, a natureza, alterna com a bulha da cidade, o colóquio
doméstico, o muro ácido dos gatos e o boi de piranha, entre armários e
sapatos.
Dividido
em partes condizentes com as várias fases de seu périplo em torno da
magia floral encarnada nesses trísticos de origem nipônica, Folhas da Selva aproxima
de nós o que só uma lente microscópica consegue fazer para transformar
um simples pistilo silvestre numa galáxia de rosas. Na intensificação de
vivências da infância e da província de seus amores, o poeta invoca,
também, os mitos do folclore amazônico, a singeleza vencida pelos
grandes edifícios plantados sobre bosques e sítios pitorescos, enfim, a
nostalgia dos trilhos “riscando por ruas tortas – o bonde e a minha
vida”.
Súmula
aproximada, talvez, dos melhores haicais do Autor, esta obra nos dá,
porém, a medida exata daquilo que é feito com amor e arte, conhecimento
do ofício versus aplicação
da palavra dentro do próprio motivo que a inspira; além de ser, daqui
por diante, um breviário de consulta e alimentação para o verdadeiro
modo de caminhar pelas sendas de oku. Ali donde se ouvem os estalos da semente que leva à flor, ou da flor que leva à semente.
Entretanto,
o certo é que Aníbal Beça, dedicado cultor do haicai, procura reunir
precisamente em formato de Livro (agora com L maiúsculo) o que seria a
visão ou a ideia do poeta sobre esse tipo singular de composição
ideográfica, antes de manejo coletivo, mas que sublinha a liberdade de
cada um sob o paradigma de “achar” o melhor como um belo exercício que
faz do homem uma árvore de palavras, gorjeios, tenuidades, vazios,
saltos repentinos, ecos e ressonâncias.
O
poeta, instalado frente ao computador, beneficiário da Internet, por
mais que se esforce ele não troca o seu chão nativo pelos bisonhos
fantasmas da virtualidade eletrônica, mas utiliza os recursos práticos
da engenhoca moderna para tornar viável o sonho de permanecer incólume
aos possíveis estragos do avanço científico.
Segundo
Bashô: “Não durmas duas vezes no mesmo lugar; deseja sempre uma esteira
que ainda não tenhas esquentado.” Ou como diz Aníbal:
Pluma de pássaro
pousa suave no pátio –
nasce um cabelo branco.
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