sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Solo das chuvas

Solo das chuvas

Jorge Tufic


Quem o disse? Pelo menos oito palavras se enraízam por muito tempo na escritura de cada autor, seja ele poeta ou ficcionista. Às vezes até para sempre. No caso da poesia, são as chamadas palavras-chaves, ou constantes, usadas para expressar ou dar forma aos sentimentos pares, que nelas encontram as nuances, o toque e o rastro dos objetos cativos. Dançamos a dança de Zorba: o fogo, de permeio, entre a vida e a morte. Quer seja a nossa, cotidiana e pertinaz, quer seja a dos laços afetivos intimamente difíceis de aceitar, a menos que outros se interponham, lhes dando continuidade.

Em José Telles, fenômenos como estes preenchem os vazios de sua lírica, ao mesmo tempo em que alimentam a notória evolução de sua arte maior, cada vez mais dedicada, absorvida e entregue à economia verbal, ao minimalismo ou momentos-monumentos revelados ao apelo das metáforas, sobretudo aquelas por conta das quais a necessidade do discurso pertence aos ecos de sua própria leitura.

Eu entendo que o mistério lunar desse modo, no autor deste livro, não abre mão do silêncio como a órbita de suas constelações temáticas. O silêncio-personagem, confidente ou antagônico. O silêncio da culpa com suas “goteiras de saudade”. A paisagem com suas tardes viúvas. O silêncio das fraturas em tempos de aceitação. A pedra e o sangue das raízes; a dor e o pânico nos sargaços da idade madura; lembranças, fugas, cicatrizes, brindes, contrapontos, falésias, alpendres, águas paradas; o azul e o tropel, também silencioso, das horas insólitas.

Poemas longos e bem sucedidos completam o volume, numa prova a mais de que fôlego e talento poético não lhe causam fadiga.

Pós-modernidade, revisitação aos parâmetros surrealistas, abstracionismo ou a súmula de tudo isso para obter a essência do canto que se degusta, tanto das perdas que o mundo lhe impõe, quanto dos ganhos que nada representam sem a forma das mãos e do olhar de sua mãe, como a vejo num dos mais belos poemas desta coletânea?

O jogo nascera com o dom da palavra. A escrita é um desses contatos. Mas o lúdico é atributo comum. Um lance de dados. Nem a matemática se aproxima do acaso. Quem acerta um número ou completa uma sena, não fora, contudo, obra do acaso. Alguma coisa existe e subjaz ao fenômeno, ao verso e ao simples acaso. A isto se dá o nome de arte. A arte do poeta, a arte que fez este livro pulsar, inscrever-se no bronze, na prata e no ouro.

Nele, José Teles alcança o melhor que poderia ter sido feito, entre uma produção e outra, desde que se estreara com seus “Poemas Estivais”. E posso afirmar que ele já tem seu lugar garantido entre os maiores poetas brasileiros do século XXI.

 

 


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