Simplicidade e magia
Jorge Tufic
É como defino o
modo desta nossa colega de Piripiri, cujo livro, que me parece de estreia, vem
de ser lançado, em Fortaleza, por este espantoso Oboé, um instrumento de
cultura que entre nós está mais afeito
ao sopro que dá do que ao sopro que recebe. Ou seja, ele tem preenchido, ao
longo desses anos, consideráveis lacunas nas ações de apoio às atividades
literárias do Estado do Ceará, o que constitui um exemplo que ainda não foi
seguido.
Sobre Eliene César depõe o
escritor Altevir Alencar: “Eliene retira da sua infância e da sua adolescência,
da paisagem de sua querida Piripiri, a matéria prima de uma poética
enternecedora que fala diretamente ao coração da gente, transmitindo mensagens
emocionais que se fixam na retentiva de quem lê com os olhos da alma”.
Na verdade, raras são as páginas
deste livro que não nos oferecem momentos para refletir, ou sonhar. Ou pedras
de toque através das quais se avaliam os poderes ainda não totalmente revelados
da autora, a exemplo deste começo do poema “Solidão”: “No vácuo de minha
solidão/ Disperso-me/ ...já não sei onde estou.¨
O tom descritivo de suas estrofes,
a delicadeza das imagens, as conclusões axiomáticas a que chega nos estágios da
incompreensão ou dos absurdos de nossa existência, os discursos de
circunstância, mesmo quando faz concessão aos filosofemas personales, ou sente
necessidade de poetizar sobre a própria poesia, seu lirismo não é apenas do
eu-lírico, mas parece falar por milhares de outros seres que vagueiam entre o
“nós” e a parábola de Narciso.
A simplicidade de Eliene, como
podem verificar da leitura de seu livro, consiste basicamente no repouso que
lhe concede a emoção de um poema, conforme se lê numa de suas epígrafes. E
ainda: “Nem todo suspiro de um poeta/ se transforma em poesia;/ Nem todo poema
é resultado de um sonho seu;/ Tudo que emana de seus pensamentos é,
simplesmente, o desejo de poetar!” Um desejo, diga-se de passagem, que atinge
os seus mais ambiciosos objetivos na constante descoberta de si mesma, na
adoração de seu mundo interior e na esperança que se multiplica: tudo nos
limites de um colóquio voluntário entre o que foi e o que ainda lhe resta.
A magia de Eliene é o que se
encontra, afinal, nas entrelinhas do sentimento maior que ela externa pela sua
gleba nativa, a que nunca devem faltar os amigos, o brinde da confraternização
aos gols de uma tarde esportiva ou na longa viagem pelas estradas do Piauí,
aventuras etc..
Piripiri, como devem saber, é uma
lenda da nossa Amazônia. Do tempo em que os bichos falavam. O cenário dessa
história, se não estou enganado, era o Baixo Amazonas. Ali as moças de uma
tribo encontraram um jovem índio que por onde ele fosse deixava um perfume no
ar. Tão forte e ao mesmo tempo suave, que a todas cativara. Chamava-se Piripiri. Ao morrer, deixara em seu lugar uma
planta de nome Piripirióca.
Tal referência, tendo muito a ver
com esse município do Piauí, terra de nossa poetisa, da poetisa desta noite, a
nossa querida Eliene César, serve também como um recurso poético para dizer-lhe
que, ao retornar aos seus pagos misteriosos, já não ficaremos tão sós; pois
ficará conosco a sua poesia, o aroma que nos doa, a planta verbal do milagre
olfativo e do verbo encarnado.
Que assim seja.
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