sábado, 1 de fevereiro de 2014

O LÍRICO E O ERÓTICO

O LÍRICO E O ERÓTICO


Um aspecto característico da dupla personalidade de Elmano Sadino, nome árcade do nosso poeta, vai-se encontrar em Nize, Marília, Márcia, entre outros anagramas de suas amadas, e nomes reproduzidos na forma verdadeira, que tanto aparecem sob a roupagem lírica dos sonetos e poemas recolhidos em suas Obras Completas, como na obra considerada fescenina. Vamos exemplificar com Nize, personagem bastante familiar do fazer erótico de Bocage:


Não lamentes, oh Nize, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:
Dido foi puta, e puta dum soldado;
Cleópatra por puta alcança a c’roa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado;
Essa da Rússia imperatriz famosa,
que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:
Todas no mundo dão a sua greta;
Não fiques pois, oh Nize, duvidosa
Que isso de virgo e honra é tudo pêta.


A mesma Nize aparece, depois de falecida, neste soneto-epitáfio profundamente evocador de sua inocente beleza anímica, interior, materializada na pureza dos olhos sofridos, que aos poucos a morte lhe fora apagando. Soneto XXXIX (39) das Obras Completas



Já no calado monumento escuro
Em cinzas se desfez teu corpo brando
E pude ver, ó Nize, o doce, o puro
Lume dos olhos teus ir-se apagando.
Hórridas brenhas, solidões procuro,
Grutas sem luz frenético demando,
Onde maldigo o fado acerbo e duro,
Teu riso, teus afagos suspirando.
Darei de minha dor contínua prova,
Em sombras cevarei minha saudade,

Insaciável sempre, e sempre nova.
Té que torne a gozar da claridade
Da luz, que me inflamou, que se renova
No seio da brilhante eternidade.

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