terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

RETRATO DE UMA OBRA-PRIMA

RETRATO DE UMA OBRA-PRIMA
 
ROGEL SAMUEL
 
 
É um tema banal, popular, vulgar. A mãe, já tão gasto motivo dos cadernos poéticos e saudades, pois todos nós tivemos ou temos a mãe a saudar, a lembrar, a louvar, a chorar. 
 
Mas Jorge Tufic é um poeta excepcional: com que realizou sua obra-prima, sonetos pós-modernos em que ele traça o perfil, o “Retrato de mãe“, de sua verdadeira mãe, ou da personagem mãe.
 
O pequeno livro é uma obra-prima em quinze sonetos. Começa por uma invocação.
O que lemos aí é a invocação de um sabor (de um saber), de um elemento gustativo, a maçã, o trigo, me o visual, fios de luz, e o táctil elemento do vento, e os aromas, a paisagem, a planície, os montes e as noites, a pedra, a febre, o martírio.
 
 
1. Venham fios de luz, aromas vivos
misturar-se às palavras, à centelha
do louvor mais profundo deste filho
que se depura e sofre com tua ausência.
Venha o trigo do Líbano, a maçã
de que tanto falavas; venha a brisa
tecer mediterrânea esta saudade
que vem de ti quando por ti me alegro.
Que venha a primavera, saturando
vales, planícies, colorindo os montes,
noites de luar caiando os muros altos.
Venha a pedra da igreja onde ficaste
quando em febre te ardias. Venham lírios
rebrotados de ti, dos teus martírios
 
 
Invocada, a mãe começa a delinear-se, começa a aparecer, vem em fragmentos, pouco  nítida, mas forte, sentida, ou pressentida, sim, começa ele a pintar o retrato interno da dulcíssima Mãe e que logo todos nós assumimos como nossa (quem consegue falar de sua mãe morta sem tornar-se piegas?), conjuntamente, nossa mãe síntese e simbólica, a Fonte, semente e nome de nossa vida, que tudo nos deu.
 
Tema freudiano, pois.
E no segundo soneto logo aparece um mistério: Quem será este desconhecido Ramón que aparece no penúltimo verso?
 
É D. Ramón Angel Jara, Bispo de La Serena, Chile, citado no pórtico do livro. No livro há citações, pós-modernidade. Ou seja, a obra se diz: “Calma, eu sou apenas uma obra literária”.
A descrição, o retrato começa pelos cabelos, as tranças, a voz, a lembrança. A fronte do  pão, do leite, da flor, do fruto. Mãe que é para “amar depois de perder”, como no verso de Drummond. Na verdade, Tufic, só de lembrá-la um soluço arrebenta-nos a crítica.

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