sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

ODE À AMÉRICA DO SUL



Quantos martírios e sucessos

pontilham tuas manchas ocres

em cada solo ferido ou conquistado!

Lembras-te, por acaso, dos gestos em forma de dança

de teus ancestrais caribenhos?

Do milho cor de cereja dos Aruakes?

Dos artefatos barrancoides dos Walpés?

Dos dialetos tecidos com a envira do silêncio

e a toada dos riachos deixados a caminho?

Da antigüidade seletiva dos tucanos,

muras e cambebas?

Lembras-te, por acaso,

da bola de sernambi que estes últimos

te deram, ainda em pleno século XVII,

e do jogo que eles jogavam

num campo sem traves e sem torcidas?

 

 

Numa rede de dormir

os brancos degustam  teu massacre

mas olvidam o teu legado,

esse imenso legado que sucedera ao jugo,

impiedoso e cruel,

daqueles teus primeiros habitantes,

plantadores de sombras,

raízes da terra.

Guitarras, malária, devastação e confisco,

eles trouxeram de tudo.

Mas tomam caxiri no delicado suporte

de uma cuia rústica ou pitinga;

alimentam-se de farinha de mandioca

e têm muito de si no caboclo que se espreguiça

para não ir ao trabalho;

e têm muito de si na mestiça que se vende

por las calles y los pueblos;

e têm muito de si, também,

nessa fusão de sons e melodias

que fizeram do nheengatu das águas pretas

a língua franca dos mitos

e do lendário esquecido.

 

 

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