quarta-feira, 25 de setembro de 2013

CURVAS DO TEMPO

CURVAS DO TEMPO
Há um conto de Vladlen Baknov em que o segredo do presente, quando vamos à sua procura no futuro, transfere-se para de onde partimos e muda de identidade, talvez para que jamais se possa decifrar, mesmo com a incrível ajuda de um tempomóvel, os complicados engenhos da mente em condição de projetar-se além das fronteiras  de meio século. O autor põe na berlinda um poeta que os seres do futuro chamam de Balabachkin, pobre  e anônimo em seu tempo de origem. Assim, quando ele é descoberto, ajudado  e torna-se famoso, o condutor do tempomóvel regressa ao futuro com a finalidade de saber qual teria sido o fim do seu grande contemporâneo. E descobre, assustado, que o Balabachkin conhecido e venerado pelos seus descendentes, nada tinha a ver com aquele outro que, embora tivesse seu nome, a fim de evitar confusão e por modéstia publicava seus versos sob o pseudônimo de U.Pimenzonoff.
Esta  ficção científica nos serve para demonstrar duas coisas: a preocupação de nossos contemporâneos com aquilo que os antigos chamavam de posteridade, e a pouca importância que os poetas, gênios ou simples lavradores do sonho, dão a essa coisa que tanto preocupa os ingênuos construtores de abrigos atômicos e caixas de memórias para o futuro hipotético. Convivendo com poetas desde a minha infância, eu lhes posso dizer que o poeta já nasce e já é. O futuro é o seu presente e o seu presente é, obviamente o seu futuro. Alguns poetas que no passado não foram nem mesmo percebidos, hoje viraram ídolos. Souzândrade é um  exemplo. Todavia, não quer isso dizer que eles, em sua época, deixaram de ser reconhecidos por alguma deficiência relativa ao modo pelo qual escreviam. O status cultural e as preferências de gosto variam no espaço e no tempo. Todos os grandes nomes da poesia universal somente foram reconhecidos depois de mortos. Mas isso não significa que muitos poetas vivos não estejam vivendo a sua glória que um futuro remoto, por circunstâncias alheias á sua vontade, deixe de aceitá-la como válida num plano, digamos, de usos e costumes, onde a palavra, o logos, a comunicação poética a nível exclusivamente do lúdico e do onírico, passem a uma categoria de pesquisa simplesmente de caráter psico-neuro-vegetativo.

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