quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O DÉCIMO QUINTO DIA

 






               

                      O DÉCIMO QUINTO DIA
Em termos de física moderna, “um objeto em movimento parece contrair-se na direção de seu movimento e se encurta à medida que sua velocidade aumenta, até que, ao alcançar a velocidade da luz, desaparece completamente ( “A Dança  dos Mestres Wu Li”, Gary Zukov, ece editora, pag.141). Em tempos de ficção literária, essa teoria extrapola da realidade da física no continuum espaço/tempo, em sentido contrário: aqui, a narrativa se expande no tempo real e, quando atinge as soluções mais imprevistas, já não cabe no espaço imaginário de  um simples dia cronológico, mas ala-se com a noite para nunca mais terminar. Na “velocidade” de cada situação ou segmento da estória, a duração joyciana trava as  cordas do relógio para conferir o terreno descontínuo da marcha obrigatória. E assim, num só dia, o autor deste livro instaura, na selva amazônica gizada para a construção de uma grande hidrelétrica, a “Odisséia” de uma expedição científica nas matas do Uatumã. A semelhança de “Ulisses”, de James Joyce, seus capítulos obedecem à uma divisão ternária, mais convencional  do que propriamente cabalística , enquanto o texto da obra se comporta tranquilamente numa só divisão quaternária, aí sim, querendo talvez sugerir a alternativa de várias escalas em busca de uma quarta musical, onde todos os sons, ruídos e mistérios da biota tragam porventura a resposta certa para uma única pergunta: - “Valerá a pena fazer tudo isso?” 
Mas enquanto a resposta não vem, os seis integrantes do grupo estão a caminho: um botânico, chefe da expedição, um zoólogo, um geólogo e um engenheiro florestal. No apoio, José, caboco da região, mateiro e cozinheiro, e Domingos, guia. Domingos, o índio, surpreende com as suas andanças, previsões e descobertas durante todo o percurso. Componente mágico da pesquisa em demanda das terras altas ou do platô, sede e comando virtual do gigantesco projeto, divisor de águas das bacias do Uatumã e Urubu, o guia nativo parece vencer o mutismo  e não se cansa de afastar a cortina invisível do som e da sombra, para revelar os perigos da floresta. Implica também com a burrice e o instinto predatório do caboco: “Caboco não tem cara de nada. É mistura” (pag.21). Chega-se a ouvir a bulha do mateiro rompendo, com seu terçado, a galharia fechado e o cipoal teimoso. Atrás dele ou passando à frente embrulhado no jogo das nuvens, ora indulgente com a falta de sutileza do caboco, ora dono da trilha e do mato, Domingos é o pé de onça. Enquanto um pisa, o outro levita. Enquanto um caminha, o outro se desloca. E assim vão, com os homens do instrumento, da ciência e da dúvida reunindo e dando ordens para acampar. De 6 às 9, de 9 às 12, de 12 às 15, de 15 às dezoito horas de um dia qualquer, o décimo quinto de uma expedição parcialmente esmagada pela ameaça do confronto desigual, movido a diesel, com a selva primigênia, algo maior do que todos os papéis da equipe inspira o autor onisciente a pesar os dois lados. Jorra então o saber, ou a sabença que gera o ensaio. Na verdade, ressalvada a técnica e a linguagem próprias do romance, este livro de Getúlio Alho tem desde já assegurado lugar de destaque entre os melhores que falam da Amazônia.


 
 


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário