O
DÉCIMO QUINTO DIA
Em termos de física moderna,
“um objeto em movimento parece contrair-se na direção de seu movimento e se
encurta à medida que sua velocidade aumenta, até que, ao alcançar a velocidade
da luz, desaparece completamente ( “A Dança
dos Mestres Wu Li”, Gary Zukov, ece editora, pag.141). Em tempos de
ficção literária, essa teoria extrapola da realidade da física no continuum
espaço/tempo, em sentido contrário: aqui, a narrativa se expande no tempo real
e, quando atinge as soluções mais imprevistas, já não cabe no espaço imaginário
de um simples dia cronológico, mas
ala-se com a noite para nunca mais terminar. Na “velocidade” de cada situação
ou segmento da estória, a duração joyciana trava as cordas do relógio para conferir o terreno
descontínuo da marcha obrigatória. E assim, num só dia, o autor deste livro
instaura, na selva amazônica gizada para a construção de uma grande
hidrelétrica, a “Odisséia” de uma expedição científica nas matas do Uatumã. A
semelhança de “Ulisses”, de James Joyce, seus capítulos obedecem à uma divisão
ternária, mais convencional do que
propriamente cabalística , enquanto o texto da obra se comporta tranquilamente
numa só divisão quaternária, aí sim, querendo talvez sugerir a alternativa de
várias escalas em busca de uma quarta musical, onde todos os sons, ruídos e
mistérios da biota tragam porventura a resposta certa para uma única pergunta:
- “Valerá a pena fazer tudo isso?”
Mas enquanto a resposta não vem, os seis integrantes do
grupo estão a caminho: um botânico, chefe da expedição, um zoólogo, um geólogo
e um engenheiro florestal. No apoio, José, caboco da região, mateiro e
cozinheiro, e Domingos, guia. Domingos, o índio, surpreende com as suas
andanças, previsões e descobertas durante todo o percurso. Componente mágico da
pesquisa em demanda das terras altas ou do platô, sede e comando virtual do
gigantesco projeto, divisor de águas das bacias do Uatumã e Urubu, o guia
nativo parece vencer o mutismo e não se
cansa de afastar a cortina invisível do som e da sombra, para revelar os
perigos da floresta. Implica também com a burrice e o instinto predatório do
caboco: “Caboco não tem cara de nada. É mistura” (pag.21). Chega-se a ouvir a
bulha do mateiro rompendo, com seu terçado, a galharia fechado e o cipoal
teimoso. Atrás dele ou passando à frente embrulhado no jogo das nuvens, ora
indulgente com a falta de sutileza do caboco, ora dono da trilha e do mato,
Domingos é o pé de onça. Enquanto um pisa, o outro levita. Enquanto um caminha,
o outro se desloca. E assim vão, com os homens do instrumento, da ciência e da
dúvida reunindo e dando ordens para acampar. De 6 às 9, de 9 às 12, de 12 às
15, de 15 às dezoito horas de um dia qualquer, o décimo quinto de uma expedição
parcialmente esmagada pela ameaça do confronto desigual, movido a diesel, com a
selva primigênia, algo maior do que todos os papéis da equipe inspira o autor
onisciente a pesar os dois lados. Jorra então o saber, ou a sabença que gera o
ensaio. Na verdade, ressalvada a técnica e a linguagem próprias do romance,
este livro de Getúlio Alho tem desde já assegurado lugar de destaque entre os
melhores que falam da Amazônia.
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