O
DÉCIMO QUINTO DIA
Nos dois incidentes mais graves da expedição, onde quatro
índios e um branco são mortos, verifica-se claramente que o que houve entre
eles foi falta de comunicação, essa mesma que falta entre o homem e a natureza.
Nem por isso, contudo, Balbina deixaria de ser construída: “Um lago de um
milhão de metros cúbicos numa área de mais de quinhentos mil hectares...”
Expedições anteriores dizimaram as tribos de autóctones e despacharam os
garimpeiros para uma outra área. As folhas das árvores ecoam nas folham do
livro, e esse trânsito de imagens fertiliza o registro das menores ocorrências,
fenômenos, coisa, ação. Súbitos mergulhos no passado de cada personagem ligada
à região pelas raízes do umbigo, descortinam, por outro lado, os tremendos
conflitos que arrazaram os parintintins. Numa outra viagem de memória, Domingos
revive a maloca de seus antepassados, e a breve “cerimônia” de seu casamento: -
“Taqui tua mulher. Cuida dela pra que ela te dê muitos filhos!” – A moça pirá-tapuia
ficou ao seu lado, humilde, quieta, submissa. Ele se levantou, deixando-a só, e
foi pescar. Voltou com um peixe: - “Toma. Prepara pra gente comer.” – Ela
recebeu o peixe, limpou-o e preparou-o,
servindo-lhe com beiju e pimenta; só depois que ele acabou de comer é que se
serviu e comeu. Estavam casados.”
A constante da obra, no entanto, é o empenho de Batista,
o chefe da expedição, em tornar viável o projeto de Balbina. Racionando à
maneira dos primeiros colonos
portugueses, parecia-lhe anormal e descoberto de lógica deixar “milhões e
milhões de quilômetros quadrados de matas virgens à disposição de meia dúzia de
índios que logo morreriam de fome, desprovidos de ferramentas ou capacidade
para tirar da terra o mínimo para seu sustento diário”. A lógica formal, o
Santo Ofício e o “martelo das feiticeiras”, exorcizavam agora, em nome da
Represa, a todos quantos, filhos da gleba primitiva ou netos do trovão, se
oporiam de algum modo ao traçado dos altos gabinetes de Brasília. O destino da
região já estava decidido. Desse no que desse!
Linguagem simples, informação copiosa,
realismo-naturalismo sem retórica, técnica segura, relato vivo, crítico e atual
para avaliar-se o tamanho da violência para tão poucos resultados práticos –
este é o livro do escritor-arquiteto Getúlio Alho, e onde, ao término de sua
leitura, esta pergunta desaba sobre nós como se fosse a própria represa de
Balbina: - Valeria a pena fazer isso?
Hoje sabemos que não. Que não valeria.
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